domingo, 16 de novembro de 2008

Do Music Hall ao London Palladium: Os 39 Degraus de Hitchcock!

Num teatro de variedades iniciava-se o meu 22º longa-metragem hitchcockiano. Longe de perder a excitação na descoberta de uma nova obra de um dos gênios máximos da sétima arte, mas após Janela Indiscreta, Psicose, Um Corpo Que Cai e tantas outras obras-primas, custava-me acreditar que ainda faltava-me assistir a outro imortal de sua autoria. Faltava-me? Sim! Eu não havia assistido ao clássico Os 39 Degraus!

O herói hitchcockiano neste filme de sua fase britânica, adaptado do livro homônimo de John Buchan, é Richard Hannay. É ele quem entra no teatro logo na primeira cena, mas não é ele a quem somos primeiramente introduzidos. O Sr. Memória, atração da casa, é o primeiro personagem a quem conhecemos. Ele realiza a façanha de aprender 50 novos fatos todos os dias para agregá-los à sua incrível memória enciclopédica. Algumas perguntas banais são realizadas, as quais o Sr. Memória sempre tem a resposta. Aqui vemos Hannay pela primeira vez, sendo agraciado com uma resposta do Sr. Memória. De repente, tiros. Confusão, todos saem apressados. Hannay é curiosamente abordado por uma mulher, que pede para ir à sua casa. E vai!

Já na casa de Hannay, Annabelle, a mulher que lhe pediu abrigo, confessa que está sendo seguida. Hannay de início não acredita, mas confirma a confissão de sua estranha hóspede ao olhar pela janela. Dois homens parados na esquina, iluminados por um poste de luz. Annabelle então lhe conta o que soa como um grande absurdo: é uma espiã que está sendo perseguida por guardar um grande segredo envolvendo a segurança aérea de potências européias! Diz que seria apenas uma questão de dias, ou horas, para que o segredo fosse revelado, o que ela deveria impedir. A polícia não acreditaria mais do que você em mim. Estou lhe dizendo, estes homens agem rápido. Hannay, solícito, pergunta se pode lhe oferecer algo além do abrigo. Ela lhe pede um mapa da Escócia, lugar onde diz haver um homem a quem deve visitar se é que algo poderia ser feito. Informa-lhe também que o chefe dos homens que a seguem é um homem de "muitas caras", mas que pode ser reconhecido por não ter parte do seu dedo mindinho. É um ponto curioso para uma boa ironia hitchcockiana mais tardar no filme.

Um elemento importante na obra posterior de Hitchcock, a personificação do objeto que desempenhará papel-chave na trama, talvez encontre parciamente suas origens neste filme de modo mais superficial. Logo que Annabelle e Hannay chegam na casa deste, o telefone toca. Isto ocorre mais de uma vez, despertando a tensão de Annabelle e dirigindo o espectador ao terror inspirado pelo perigo que o telefonema pode representar (o telefone desempenharia tal função novamente, de modo mais essencial, em Disque M Para Matar).

Depois que Hannay e Annabelle decidem como irão dormir e encerram a conversa (ele no sofá, e ela na cama), a cena é cortada. A próxima imagem que enche a tela é a de uma janela aberta com uma cortina esvoaçante no meio da noite, a indicativa de que a fortaleza de Annabelle foi violada e que ela, portanto, corre perigo. Temos certeza de tal acontecimento quando, na próxima cena, Hannay é acordado por uma Annabelle atordoada que diz: Cuidado Hannay! Você será o próximo!, caindo em seu colo e revelando a faca que lhe foi enfiada nas costas. Quase que instantaneamente o telefone toca e sua imagem ocupa toda a tela, confirmando a importância deste elemento e o temor de Annabelle nas cenas anteriores. A tensão e a confusão de um homem comum que foi a um teatro de variedades e, em poucas horas, se meteu em uma trama de espionagem internacional! Hannay não atende o telefone, mas olha pela janela e vislumbra um homem na cabine de telefone enquanto o outro a vigia. Um flashback de Annabelle é introduzido na mesma cena, relembrando suas revelações do jantar: Isto que lhe faz rir agora, é verdadeiro. Estes homens não vão se deter diante de nada. A câmera exibe a mão de Annabelle, caída, morta, segurando fortemente um papel, que nosso herói hitchcockiano descobre ser o mapa da Escócia, com um local específico circulado. A imagem enevoante de Annabelle e sua voz ressoam: Há um homem na Escócia a quem eu devo visitar se é que algo possa ser feito. A polícia não acreditará em mim mais do que você. Estou lhe dizendo, estes homens agem rápido. E a palavra rápido é repetida, ressaltando e adjetivando como deveria ser a atitude de Hannay diante das circunstâncias. Qual seu próximo passo? Ir até a Escócia, é claro!

Mas antes de partir, somos brindados com mais uma manifestação do humor do Mestre do Suspense, como se para aliviarmo-nos da tensão sofrida na inesperada cena da morte de Annabelle e prepararmo-nos para a o desenrolar da conspiração hitchcockiana. Hannay, preocupado em deixar seu apartamento, encontra o leiteiro e pede-lhe ajuda. Confidencia a ele que está envolvido em uma trama de espionagem com uma mulher assassinada em seu apartamento, ao que o leiteiro toma como uma boa gozação. Hannay então conta que "na verdade", ele veio "fazer uma visita" à uma mulher casada no primeiro andar, e que os dois rapazes que ele estavam do outro lado da rua, razão de seu temor em deixar o prédio, eram o marido e o irmão de tal mulher. Por que você não disse logo? Perguntou o leiteiro. Hannay troca de roupas com este e finalmente parte.

Já em sua viagem de trem, ele descobre que seu nome é procurado pelo assassinato de Annabelle. Policiais entram no trem. Hannay se refugia em uma cabine e beija inesperadamente uma loira, a quem confidencia sua identidade acreditando que o ajudará. Mas em Madeleine Carroll não há resquício de Eva Marie Saint! E logo que os policiais entram na cabine pedindo informações, Hannay é denunciado e pula do trem em movimento!

Nas próximas seqüências, ele encontrará abrigo em uma casa no campo e fugirá dos policiais, encontrando supostamente a casa que procurava. Nela, se torna convidado de uma reunião do dono, o Professor Jordan, anfitrião a quem Annabelle certamente procurava, que lhe recebe com um sombrio sorriso antipático. Discutindo sobre o seu envolvimento na trama, Hannay lhe confidencia que o chefe dos homens que o seguiram anteriormente não tinha uma parte do dedo mindinho... exatamente a parte que falta no dedo mindinho de seu anfitrião! Uma excelente ironia hitchcockiana que deixa nosso herói encurralado na sala de seu maior inimigo!

Fugindo novamente da polícia, Hannay é confundido como político e convidado a dar discurso. Aqui, outro ponto brilhante na ironia do homem inocente sendo perseguido, temática recorrente na obra de Hitchcock e evidenciada nesta fala de Hannay: "Eu sei como é sentir-se solitário e indefeso e ter todo o mundo contra ti!" Um sucesso com a platéia, mas não com os policiais que o encontram logo ao final do discurso! Não apenas os policiais mas também Pamela, a loira denunciante do trem, que também terá de prestar depoimento à polícia. A "polícia", no entanto, nada mais é que o temido espião/professor Jordan... logo que Hannay descobre isto, e é algemado à Pamela, aproveita a aparição do rebanho de ovelhas que impossibilitam o carro da "polícia" de prosseguir e foge!

Hannay e Pamela algemados juntos, um dos pontos emblemáticos do filme. Hitchcock deixou os dois atores juntos, algemados, logo que foram apresentados um ao outro para que pudessem se conhecer melhor. Sua tática funcionou, já que Donat e Carroll apresentam uma química inquestionável na tela. Carroll como Pamela demonstra-se incrivelmente teimosa em não acreditar na inocência de nosso herói, tentando pedir socorro para libertar-se do suposto assassino até quando ambos, já instalados em um quarto de hotel, fingem ser casados. Passam a noite juntos, ainda algemados. Talvez o momento mais sensual do filme aconteça neste momento, quando Pamela tira suas meias e a tela é preenchida com a visão de suas pernas nuas, uma delas encostada na mão algemada de Hannay. Durante o sono deste, Pamela consegue se livrar das algemas, mas ao sair do quarto identifica os dois homens que os levavam à "polícia" no andar abaixo, ao telefone. Ouvindo sua conversa, ela finalmente tem a prova da inocência de Hannay! Quando este acorda, ela lhe conta: alguém envolvido na trama estará no London Palladium!

Pamela vai à polícia e procura ajuda em vão enquanto Hannay chega ao Palladium. Os policiais a seguem até o local: a prisão de Hannay já é certa! O que haveria no Palladium, afinal? De repente, uma música começa. Hannay percebe que é a mesma música que assobiou em momentos anteriores no filme. E no palco adentra... o Sr. Memória! Ao localizar o professor Jordan pelo binóculo em um camarote, ele finalmente descobre: o Sr. Memória era quem sabia o segredo! Somos transportados simbolicamente ao início do filme na atmosfera fascinante desta cena final. Hannay corre até o meio da platéia e berra: O que são os 39 degraus? Responda-me!

E o Sr. Memória diz: Os 39 degraus é uma organização de espiões colhendo informações em favor dos governos estrangeiros... até ser acertado por um tiro disparado pelo Professor Jordan! Na cena final, a absolvição de Hannay, que tem a polícia ouvindo diretamente do Sr. Memória o tão importante segredo - uma fórmula matemática a respeito de um combustível que permitirá às máquinas funcionarem sem fazer barulho. E a câmera aproxima-se da mão algemada de Hannay encontrando-se com a mão de Pamela... finalmente separadas pela força e agora unidas apenas pela vontade!

Nesta obra crucial para a carreira de Hitchcock - ela que lhe traria fama em solo norte-americano -, concebida há mais de 70 anos, não há espaço para defeitos. Seus menos de 90 minutos são preenchidos com reviravoltas fantásticas num roteiro meticulosamente elaborado e sua trama prenuncia as temáticas de futuros filmes do Mestre do Suspense, em especial, Intriga Internacional. Talvez o único deslize de Hitchcock tenha sido sua aparição marca-registrada jogando lixo no chão. No futuro, ele se empenharia em cameos mais politicamente corretos!



Shame on you, Hitch!

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Sorriso de Cabíria

Julguei-me afortunado demais! Que delirante piada! Pobre de mim e de minha santa ignorância! É por conta desses sentimentos repentinos de letargia existencial e comodidade que adquirimos quando não há algo de significante para nos ferir a alma. E que aqui seja perdoada minha ultrasensibilidade casimira-di-abriana. Veja, também conservo saudades inestimáveis da "aurora da minha vida", afinal, foi nela o único momento em que permitiste-me a felicidade, lembras? Desde então vivo das migalhas da memória, conservando as fotos, vídeos e músicas que me permitam a continuar inspirando e expirando e constatar esta loucura hilariante: já fui feliz! Que delírio diabólico! Mais débil ainda é imaginar quantas tentativas obviamente frustradas de alcançar tal felicidade novamente! Por todos os santos, que besta fui todos estes anos! Que delirante besta idealista! Que vergonha imaginar que, em algum momento, eu piamente acreditei poder ser tão feliz quanto na infância! Envergonha-me até em pensamento cogitar tal possibilidade! Possibilidade esta tão vazia quanto o seu coração, afinal, não foi tu quem me impedistes de ser feliz enquanto tive chances? E eu, tão consciente, tão estupidamente consciente de meus nobres valores acreditei que tu nada tinhas a ver com minha óbvia infelicidade, que se ela existia era puramente por minha fraqueza e culpa exclusivas. Nesta minha tese tão intelectual, no entanto, fugiu-me acrescentar que toda a repressão da suposta felicidade que eu tão bestamente acreditei poder alcançar um dia, tinha uma única e clara razão: você. E que tu digas agora que é fácil, é óbvio culpar-te, é o mais simples, é o mais cômodo. Bom, neste caso não é. Foi necessário que tu, por finalmente, triunfalmente destruísse-me, para que me desse conta das vãs tentativas de nobreza de espírito que tive em tentar isentar-te de toda a culpa. Poderias negar agora que tentei amar-te mesmo quando tu fazias escárnio dos meus fracassos em me conectar com o que eu risivelmente, com os olhos a brilhar, denominava "humanidade"? Dizem que se ensina com ações e não com palavras. Agradeço então por ter me passado corretamente a lição prática de que o mundo é uma pocilga com gente que só faz sofrer. Tivesse aprendido contigo desde cedo tal valiosa lição, com prazer evitaria o contato com todos aqueles que, em um momento ou outro, declarei ao mundo conhecer como "amigos". E tu rias de tais "amigos"! Veja só como estavas certa! Para eles fugia de tuas garras, tão infantilmente indefeso que não notava as garras dos mesmos! Acabava-me ainda mais abatido por neles ter tão fielmente acreditado, enquanto em ti nunca acreditei. Nunca acreditei? Talvez sim, nos tempos mais pacientes em que quase hipnoticamente tentei julgar sua pura maldade como superproteção. Mas maldade é apenas maldade, não? Seja ela quando eu persistentemente forçava-me, quase tombando nas minhas próprias trevas, a olhar o céu e contemplar as tais coisas que embelezavam o mundo, mas tu não deixavas nem um lampejo de "alegria" triunfar. Ou quando eu, tão inocentemente perdoava comigo mesmo a tua última tentativa de quebrar minha força vital e tu retornavas, mais forte ainda, mais determinada à minha inevitável destruição. Deve ser de uma satânica felicidade pra ti, quando retorce mais e mais o que sobra de minha alma, o proibido mas delicioso pensamento de magoar a quem tu comprastes, não é mesmo? Talvez, na sua mente doentia, isso dê legitimidade à escravidão que tu me submetestes por completo. Mas não perdemos mais tempo com suposições, lamentações e pedidos de oração. Entenda, só escrevo isto pois quero te dar os meus sinceros parabéns. São poucos os que realizam o que determinam na vida e tu, minha cara, realizou um feito colossal. Marcou-me pra vida toda. Só queria que soubesse que, no final, tu venceu. Teu triunfo é a minha miséria, mas isto esteve claro desde sempre. E não preocupe-se em impedir que minha antiga consciência humanística retorne, matando por fim tua mais perfeita criação: o monstro de cólera. Tantos outros me ensinaram quando tiravam-me pedaços de alma, mas foi tu quem por fim me convenceu. Não existe mais sorriso de Cabíria para mim.

sábado, 18 de outubro de 2008

100 Anos Dela

"Sempre tive vontade de vencer. Podia sentir isso ao assar cookies. Tinham de ser os melhores cookies que alguém já assou." - Bette Davis

Terminada a projeção, o palco se iluminava e ela, pé ante pé, aproximava-se da platéia extasiada. "What a dump!", finalmente disse, depois de colocar o cigarro em cima da mesa improvisada, para os aplausos frenéticos. "What a dump!" era a célebre frase de um dos seus filmes, discutida mais tarde por Elizabeth Taylor em outra célebre cena de Quem Tem Medo de Virginia Woolf?. Com esta frase, era dado início à parte "In Person" do Bette Davis In Person and On Film, espetáculo que percorreu os Estados Unidos, Europa e Austrália nos anos 70, encantando espectadores de cinema com a presença de uma estrela única do firmamento hollywoodiano: Bette Davis.

Ruth Elizabeth Davis começou sua carreira no cinema com uma definitiva dificuldade: sua falta total de sex appeal. Embora seus belíssimos olhos azuis tenham sido imortalizados no hit oitentista de Kim Carnes, em tempos de Jean Harlow, Bette Davis não era nenhum ideal de beleza. Contratada pela Universal, ela estreou com o insosso A Irmã Má, em 1931, contracenando ao lado de Humphrey Bogart. Resultado: ambos foram despedidos do estúdio. "Havia uma lenda naquela época de que, se você fosse despedido da Universal, você realmente iria chegar em algum lugar", ela diria anos depois. Chegou então o contrato com a Warner Bros. Mas ainda fazendo um punhado de porcarias, Bette solicitou que a Warner a permitisse fazer um filme para a RKO. O resultado foi o primeiro grande triunfo de sua fantástica carreira: Escravos do Desejo (ou Servidão Humana) foi lançado em 1934 em meio a controvérsias. Na fita, Bette Davis interpretava Mildred Rogers, uma garçonete que leva o personagem de Leslie Howard à ruína. A primeira grande "bitch" do cinema! Bette esperava ser indicada ao Oscar pela sua performance, mas quando sua indicação oficial foi negada, houve uma tentativa de colocá-la como "write-in" (os jurados poderiam votar em quem quisessem, estando o ator/atriz indicado ou não). De todo modo, Bette não venceu, mas ganhou o prêmio de Melhor Atriz em 1936 por Perigosa, um prêmio de "consolação" por Escravos. Sua fama estava firmada, mas o alcance ao estrelato absoluto - e ao topo dos box-offices - viria com Jezebel, filme de 1938 que lhe renderia seu segundo Oscar. Dirigido por William Wyler, Bette contracena ao lado de Henry Fonda como uma jovem e ousada sulista. A partir de 1940, Bette Davis teria cinco indicações seguidas ao Oscar de Melhor Atriz; no ano de E o Vento Levou e O Mágico de Oz, ela foi indicada ao prêmio pelo papel de Judith, uma socialite que luta pela felicidade sabendo que tem apenas meses de vida no clássico Vitória Amarga (1939); em 1941, a indicação seria por A Carta, outra parceria com William Wyler; em 1942, seria a vez de Pérfida, em mais uma colaboração com William Wyler, e em 1943 por Charlotte, no seu então maior sucesso de bilheteria, A Estranha Passageira. Mais uma indicação estaria a caminho em 1945 pelo filme Vaidosa, em que Bette contracenou ao lado de Claude Rains.

A carreira de Davis sofreria um declínio no final dos anos 40, com filmes que fracassaram no box office ou foram detonados pelos críticos como Uma Vida Roubada, Que o Céu a Condene e Beyond The Forest, lançado no Brasil sob o curioso título A Filha de Satanás. Depois deste último, em 1949, Bette Davis saiu da Warner Bros. Muitos apostavam no fim da carreira da atriz, mas eles teriam de "apertar os cintos" para a tempestade que estava por vir!

Em 1950, Bette Davis viveu a atriz de teatro Margo Channing, no altamente celebrado clássico A Malvada, em o que muitos consideram a performance de sua carreira. Com um roteiro impressionante e um elenco impecável, o filme foi indicado a 14 Oscars, vencendo 6, incluindo Melhor Filme. Bette, no entanto, perdeu o prêmio de Melhor Atriz para Judy Holliday, talvez um dos maiores roubos da história da Academia.

Apesar de seu retorno espetacular com Malvada, Bette Davis não alcançaria novamente o sucesso no cinema como o teve nos anos 40. Ela estrelaria ainda em filmes como Lágrimas Amargas (1952), pelo qual recebeu mais uma indicação ao Oscar, A Rainha Tirana (1955), onde retornaria ao papel da Rainha Elizabeth - o qual havia interpretado 16 anos antes em Meu Reino Por um Amor (1939) - e O Estranho Caso do Conde (1959).

Em 61, Bette se reúne ao lendário diretor Frank Capra (A Felicidade Não Se Compra, A Mulher Faz o Homem) no último filme deste: Dama Por Um Dia. Mas seria em 1962 que ela encontraria mais um grande triunfo no cinema, quando o diretor Robert Aldrich a uniu com sua antiga rival Joan Crawford, no filme de suspense-horror O Que Terá Acontecido a Baby Jane?, onde ela interpretou a grotesca personagem do título, uma velha que acredita ainda poder reviver o sucesso musical de sua infância, enquanto amedronta e tortura sua irmã em cadeiras de rodas, interpretada por Joan. Como conta Bette Davis em seu livro This 'N' That, Joan Crawford usou de sua influência na Academia para fazer com que ela não levasse a estatueta - seria seu 3º Oscar. Joan teria ligado para todas as indicadas e se comprometido a receber o prêmio por elas caso não pudessem atender à cerimônia. Naquele ano, Anne Bancroft ganhou e Joan aceitou o prêmio pela atriz. "Eu queria ser a primeira atriz a ganhar 3 Oscars, mas Katharine Hepburn conseguiu antes. Na verdade ela não conseguiu. A Sra. Hepburn só ganhou metade do 3º Oscar. Se tivessem me dado meio Oscar, eu jogaria de volta na cara deles," disse Bette sobre o prêmio de Melhor Atriz que Hepburn dividiu com Streisand.

Com os custos de Baby Jane sendo cobertos logo na sua semana de estréia, Robert Aldrich já visualizava outro veículo para suas duas grandes estrelas brilharem novamente. Com a Maldade na Alma, de 64, foi este filme. Na verdade, era para ter sido. Crawford ficou doente durante as filmagens e teve de ser substituída por Olivia de Havilland, a eterna Melanie de E o Vento Levou. Com a Maldade na Alma rendeu 7 indicações ao Oscar e ajudou a revitalizar a carreira de Bette no cinema, que iria protagonizar filmes como Nas Garras do Ódio, Alguém Morreu em Meu Lugar e O Aniversário nos anos 60, e Madame Sin, Morte Sobre o Nilo e Perigo na Montanha Enfeitiçada nos anos 70.

Em 83, a atriz foi diagnosticada com câncer de mama e sofreu um derrame. Os médicos apostavam que ela nunca trabalharia novamente. "Vocês não conhecem Bette Davis!", disse um amigo seu aos médicos. Seus anos finais foram de homenagens e, é claro, muito trabalho. Ela estrelaria ainda o filme indicado ao Oscar, As Baleias de Agosto, ao lado de outras duas lendas do cinema: Lillian Gish e Vincent Price. Lançaria o livro de memórias This 'N' That contando sua história de recuperação após seu derrame de 83, entre outros fatos curiosos de sua vida, incluindo uma carta à sua filha que, durante a recuperação da mãe, lançou um livro sensacionalista à lá Christina Crawford falando sobre os supostos abusos de personalidade da atriz. Bette disse que, diferente do seu derrame, desta traição ela nunca se recuperaria.

Em 1989, Davis descobriu que seu câncer havia retornado. Ela nos deixaria no dia 6 de outubro daquele ano. Na sua sepultura, uma frase que o diretor Joseph Mankiewicz havia dito a ela nos anos 50 e que ela, em várias entrevistas, orgulhosamente citou: "Ela fez da forma difícil/She did it the hard way." Seu legado não nos permite mentir: valeu à pena, Bette!

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Morre Brick Pollitt

Paul Newman morreu, pensei. Semaninhas negras estas. De adeus do Dean, Rock Hudson, Miss Bette Davis. Fellini no 31. Sad, sad, sad. E minha Hollywood dos sonhos, glamour do preto-e-branco e Technicolor, de repente... perdida. Morreu Paul Newman. Como morreram tantos. Brando, Kerr, Monroe, Crawford, Garbo, Dietrich, Chaplin, Bogart, Stewart, Grant, Karloff, Astaire, Olivier, Gene, Grace, Audrey, Katharine, Garland. Tantos. E Paul Newman morre. Paul Newman da Cor do Dinheiro, do golpe de mestre, o cool hand luke, o Butch Cassidy, o do Inferno na Torre. Todos os Newmans que não conheci. Morreu Brick Pollitt, pensei. Sim, morreu Brick Pollitt. Brick Pollitt! There must be some mistake. O Pollitt daqueles 108 minutos não morre... ele bebe e luta, briga, chora porque can't stand a falsidade. Como poderia ele morrer? Mas assim o fez. Não em acidente como Dean ou Grace, nem de causas naturais como Katharine. Mas do maldito câncer, que nos levou Davis e Audrey. Sim, só o câncer poderia abater Brick Pollitt e nos privar de sua alma dean-cliftiana. Quantas vezes Pollitt esteve no meu televisor! E por quantos anos! Foi um dos primeiros da golden age que conheci. Lembro da mão trêmula depositando o disquinho na bandeja daquele tijolo velho de DVD, a ânsia pra ver a tão-celebrada peça de Tennesse Williams que levou 6 indicações ao Oscar de 59. E o esforço! A mesada guardada, às moedas. A pesquisa longa e extensa em torno dos clássicos hollywoodianos pra dizer "sim, é este que quero!". Sim, Pollitt, era a ti que queria ver! Por certas razões e muitas outras. Afinal, Liz Taylor é uma diva. E o filme começava. Quantas vezes vi e revi aquela cena inicial, você, coitado, bêbado, frustrado, completamente desgraçado pela vida, tentando ser o atleta que já foi um dia ao som do "Go, go Pollitt! Brick Pollitt" que obviamente só poderia ser real na sua cabeça embriagada. E depois você, já engessado (entendemos, você se machucou ao pular os obstáculos na noite anterior), deitado e bebendo pra variar, pensando e doendo por dentro e esperando Elizabeth Taylor entrar em cena. E quando ela entra, com toda sua divindade, a tela se transforma em ringue para os teus olhos azuis e os olhos violeta dela. Que bela luta! Até quando vocês dois resolvem se pegar, é claro, não do modo que Maggie-Liz Taylor deseja. Não estou vivendo com você, apenas ocupamos a mesma jaula! berrava Liz Taylor. Depois chegava Big Daddy, o seu pai que foi o xerife de Vidas Amargas, em meio à pompa organizada pela mulher daquele seu irmão filho-da-mãe, que fez Nasce Uma Estrela e aquele filme com a Dietrich e o Jimmy Stewart que vi outro dia. Belo canalha ele, saquei de cara! Toda a festa porque Big Daddy voltou dos exames médicos que fez mas, para a decepção do casal-desgraça que levou seus no-neck-monsters/filhos para recepcionar Big Daddy, os exames confirmaram que o velho irá viver por muitos anos. Salve Big Daddy! Mas Liz Taylor que sempre foi pobre a vida inteira se preocupa com o teu irmão e sua esposinha, afinal, os dois podem ganhar a confiança da Big Momma e conseguir que o império dirigido por Big Daddy seja, após a morte deste, unicamente deles e dos no-neck-monsters. Você, como boa alma que é, está pouco se lixando pro Big Daddy e pro dinheiro dele. Falam até em te internar na clínica pra alcóolatras Rainbow Hill e você, bebendo, faz um brinde to Rainbow Hill! Logo vem Big Momma se intrometer na privacidade da suíte-sem-amor sua e de Liz Taylor e dar palpites inxeridos sobre sua vida de casado, o que causa um oportuno estranhamento em mim, não pelos palpites que parecem típicos da figura ingênua de Big Momma, mas quando penso nos dois anos que levei pra reconhecê-la na figura funesta de Mrs. Danvers no hitchcockiano Rebecca. De todo modo, agora Liz Taylor quer falar e você quer dar nela uma muletada. Ela quer falar sobre Skipper porque it's got to be told! Mas não, ela não vai falar, simplesmente não pode! Big Daddy exige respostas... afinal, por que tu bebes tanto? Mandasity tu dizes. Sim, a falsidade, que não foi uma nem outra vez... e eis que Liz Taylor entra de novo e explicas o que tu, talvez, tão magoado por razões explícitas e implícitas de Tennessse Williams, não quisestes ouvir antes. Ora, Brick, Skipper não havia o traído então. Morreu pedindo por ti, por tua ajuda... tu o ignorastes, Brick! E agora restavam as lágrimas, e o som daquele telefone tocando, Skipper, que tu não atendestes... Entende agora por que eu bebo? O nojo da falsidade na verdade é o nojo de mim mesmo! E quando bebo não ouço mais o som daquele telefone tocando! E na agonia dos teus olhos azuis, Brick Pollitt, naquele momento, tornaste-te um Deus da sétima arte. Sim Brick, ali entendi perfeitamente o que sentias e até o que sentias e não dizias. Almas partilhando uma inevitável dor existencial! Quão envaidecido fiquei ao me identificar em ti, personagem tennesseewilliamno! Tu passou a ser freqüente nas minhas sessões repeteco das sextas-feiras colegiais. Certas vezes o sono me abatia, te perdia por momentos em meio aos meus devaneios pré-meia-noite, mas ao acordar tu estavas lá, a dor de sempre tão conhecida, a berrar worthless worthless quebrando as porcarias que o Big Daddy achou que podiam comprar teu amor. Worthless! Mas no gran finale - não da película, mas de la vita - tiveste que morrer... e eu entendo, saco tudo sobre mortalidade, sei que também irei para aquelas bandas um dia, mas não falemos de tão desagradável noção. Tua grande alma não vai para debaixo da terra, e é tudo o que importa. Brick Pollitt, 20 e poucos, talvez 30, olhos azuis, confuso mas não covarde, um rebelde existencial da MGM de 58. Até que a terra nos engula também, nós, que somos tão desgraçados e tresloucados como você (by the name of love and not mandasity), estaremos respirando esta bela alma que plantaste no cinema hollywoodiano e, mais importante, em nossos espíritos. May you rest in peace, Pollitt!

sábado, 4 de outubro de 2008

Perda de Memória Recente

Acredito que devo um atrasado - porém merecido - agradecimento ao canal de TV à cabo Sony, por impedir que prosseguisse como pessoa estúpida e pedante ao exibir o documentário "Living With Michael Jackson", há 5 anos atrás. Lembro-me perfeitamente que estava na casa de uma tia e, antes de viajar, forcei-me a não esquecer de tal especial que, segundo os sites de fofoca em geral, era simplesmente "bombástico". Simbolicamente, esta era a casa da mesma tia cuja filha havia me apresentado ao astro quase dez anos antes.

Michael Jackson foi um dos meus maiores ídolos de infância. Era apaixonado por suas músicas, seus vídeos visionários, sua imagem mágica e misteriosa e seu carisma estelar. E era isto. Tinha uma profunda admiração pelo seu talento extraordinário, mas nada sabia de sua pessoa. Ademais, minha pré-adolescência coincidiu com uma era em que Jackson passou a ser tomado como um personagem-piada do inconsciente popular e eu, em meu doentio hedonismo, achava graça de sua difamação pública. Talvez tenha sido uma rara retomada de humildade que, em minha imbecilidade juvenil, me impeliu a assistir ao documentário sem intenções maliciosas.

Se no espírito humano possa ocorrer o que os religiosos definem como "conversão", eu experienciei a mudança de minha vida ao término daquele documentário. Quando Michael Jackson disse ao "jornalista" Martin Bashir as seguintes palavras "Na sua mente, você nunca esteve onde eu estive", tive a certeza de ter conhecido, em 90 minutos, um homem de uma humanidade que não acreditava que pudesse existir. De uma humanidade que, talvez, eu já tivesse desistido de acreditar. Fui dormir entorpecido, em meio a sonhos com aquele Michael da minha infância, fugindo dos fotógrafos em "Moonwalker" no SBT, com sua cool roupa preta de Bad, mesclado à estátua da liberdade de Black Or White em ruas escuras Beat Itanas e, latejante, aquele Michael recém-descoberto, o Michael With a Child's Heart, o Michael que, daquele momento em diante, tornou-se inevitalmente meu herói.

Poucos meses seriam até que o pesadelo maior de Michael e de seus fãs tivesse início. Jackson foi preso, acusado de abuso sexual de um menor de 13 anos, para o deleite da imprensa mundial. Minha dor pessoal por Michael pôde ser compartilhada em outra experiência transformadora de minha vida - a convivência com os fãs ou, como prefiro, os supporters de Michael Jackson, aquelas pessoas que partilhavam dos mesmos valores que ele e que amavam a pessoa de Michael por personificar tais valores. Árduos tempos aqueles, de indignação, revolta, nervosismo, sofrimento e, em especial para mim, de amadurecimento. Foi Michael minha identificação maior nos definidores anos da adolescência. Tenho plena consciência de que devo minha formação como pessoa à integridade e força sobre-humanas de Michael Jackson, pois foi ele quem estampou na minha TV, todos os dias daquele julgamento, ao chegar à Corte fazendo um "V" de vitória, que tudo o que eu havia aprendido com ele não eram apenas palavras bonitas. Não era um juvenil e ingênuo idealismo ou fanatismo, como muitos gostavam de julgar à época. Era de verdade!

Passada a absolvição, Michael tem mantido um low profile nos últimos três anos, fora dos holofotes, a não ser em eventuais premiações (MTV Japan, WMA) e alguns mais recentes ensaios para revistas. Nada mais do que merecido, e qualquer ser que se auto-declare minimamente fã de Michael Jackson desejaria a ele, depois do inferno pessoal que viveu, nada menos do que a felicidade, esteja ela onde ele encontrar. Só que seria mais conveniente se ele encontrasse tal felicidade voltando a fazer álbuns e turnês milionárias, não?

Acontece que, depois de três anos de uma experiência transformadora para mim, me pergunto onde diabos foram parar os verdadeiros supporters de Michael Jackson. Teriam todos eles ido cuidar de suas vidas, como fez Ms. Tenda? Só deste modo poderia ser explicado o desfile de cretinices que tenho lido, cada vez mais, de auto-declarados fãs de Jackson.

Comecemos: Michael Jackson está obviamente interessado em retomar sua carreira musical, o que deveria ser motivo de empolgação aos tais fãs, já que, sofrendo o que sofreu, demonstra ainda uma surpreendente força de vontade para voltar a interagir com o público (coloque-se no lugar dele e imagine se você teria tal força). Vale lembrar que ele já ressaltou, em entrevista à Oprah, que nos exaltados tempos de Thriller não era feliz. Em todo caso, isso pouco importa a estes tais fãs. Mais do que demonstrado interesse, Jackson está gravando já há certo tempo e, de mês em mês, pipocam declarações de seus colaboradores. Neste caso, a controvérsia (leia-se santa falta do que fazer) entre os “alleged fans” é de que Michael escolheu os colaboradores errados (tolinho ele!) e por isto, conclusivamente, o disco não será bom. Percebe-se claramente que os tais fãs tiveram acesso exclusivo às novas gravações para um julgamento tão apurado ou então, sabe-se lá, desenvolveram algum inovador sistema de musicopatia onde eles recebem, em suas maravilhosas cabecinhas, todas as novas idéias musicais de Mr. Jackson para o álbum! Santa mediocridade acefálica!

Talvez um dos comentários mais patéticos que tive o desprazer de ler é de que Michael Jackson é um prostituto pelo re-lançamento de Thriller deste ano. Curioso, cobram novo álbum e cobram com qualidade, mas não podem esperar o criador completar a criação (fosse para lançar o que desse na telha, já tinha saído... ou alguém acha que Mr. Jackson está a brincar de fazer música no que é provavelmente o álbum mais esperado de sua carreira?)! Enquanto isso, Thriller 25 foi simplesmente a melhor investida na imagem de Michael em anos. O resultado, todos sabemos. 25 anos depois, é um dos dez discos mais vendidos de 2008 com quase 3 milhões de cópias. Foi um excelente projeto de re-introdução de Michael Jackson no mercado fonográfico, embora não tenha agradado boa parte dos senhores de engenho/fãs de Michael, seja por não ter sido o "novo álbum" ou por, em sua demência abismadora, acreditarem que seu lançamento atrasou o disco novo (?) (Traga-me ó Ceus o disco novo de Jackson para minha ínfima existência! Sem ele não vivo, não respiro, só sei falar mal de Invincible...); ou ainda por Michael ter usado remixes de algumas faixas de Thriller como material extra para o disco, cometendo o sacrilégio maior: blasfemar a santa hóstia! Ó Michael, por quê nos tortura dessa forma? A fazer o que bem queres, da forma que bem entendes, na obra que tu mesmo criastes...

Do modo que as lamentações fóbicas foram feitas para Thriller 25, se repetem para a nova coletânea King Of Pop, coleção esta que tem apenas um singelo apoio da Som Livre com direito a comerciais na Rede Globo. É evidente: fãs de Michael Jackson não querem ver seu ídolo vendendo discos!

O que me surpreende mais, muito além da trivialidade dos desocupados que se põem a malhar os lançamentos, é a desumanidade daqueles que acreditam piamente que Michael lhes deve alguma coisa, e por não lançar tal disco novo, põem-se a fazer beicinho e chamá-lo de vagabundo. Não acrescentam nada à comunidade e acreditam ter direito à tal "opinião". Certamente esse pessoal não trabalhou metade do que eu e muitos outros trabalharam no passado para trazer material de qualidade aos fãs, nem sofreram o que nós sofremos com o julgamento... no entanto, são eles os primeiros a exigirem que Jackson seja um subordinado às suas vontades, como se a condição de garantisse o direito de decisão no que ídolo deve ou não fazer e ainda como fazer (Michael Jackson Fast Food, aguardamos o seu pedido!). Esquecem facilmente que, há três anos atrás, Michael poderia simplesmente ter perdido sua vida e liberdade, liberdade esta que ele usa hoje para gravar as músicas que em breve serão escutadas e apreciadas pelos mentecaptos que já as condenam! Afinal, somente desalmados poderiam classificar Michael Jackson, escravizado pelo sucesso desde a infância, de vagabundo.

O que esses seres doentios, parasitas do sucesso de Michael Jackson, acreditam que ele ainda tem a provar com tal disco novo (para satisfazer suas "vidas" pífias, é claro) está além da minha imaginação. Como mito, seu posto já está assegurado há 25 anos. Como performer, recebeu de Astaire as seguintes palavras: "é o dançarino do século!". Como músico, criou algumas das maiores canções pop da história. Como pessoa... só os supporters poderiam entender quando digo que nem a sacrossanta Billie Jean chega aos pés do homem que, humilhado por ousar viver diferente, disse a Corey Feldman: Ninguém nunca vai me impedir de ser quem eu sou. É lamentável que, passado três anos, os fãs que dizem o amar tenham esquecido, ou sequer aprendido, o que aquilo verdadeiramente significava...

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Se Existiam Deuses... Eram Eles Astronautas?


"Há muitas moradas na casa de meu Pai; se assim não fosse, já eu vo-lo teria dito, pois me vou para vos preparar o lugar. Depois que me tenha ido e que vos houver preparado o lugar, voltarei e vos retirarei para mim, a fim de que onde eu estiver, também vós aí estejais." ~ São João, Cap. XIV, vv. 1 a 3.

Há pouco tempo terminei a leitura de "Eram os Deuses Astronautas?" de Erich von Däniken. Lançado em 1968, tornou-se um dos grandes best-sellers com mais de 40 milhões de cópias em todo o mundo. E embora eu sempre torça o nariz para os best-sellers, tanto ouvi falar de Däniken - de gente que diz que o livro mudou suas vidas, a quem afirma que Erich não passa de um picareta - que tinha de lê-lo.

Apesar dos mistérios abordados me fascinarem, a leitura não me impressionou. De fato, não o considerei sensacionalista, o que poderia explicar as vendas espetaculares - esperava algo que beirasse ao religioso, como a ufologia mística -, mas talvez suas afirmações, não tão polêmicas 40 anos depois, fossem extraordinárias para 1968, era pré-internet sem informações expostas ao grande público e de fácil acesso, além do início da onda ufológica no mundo.

Erich von Däniken elabora uma, verdadeira ou não, interessante teoria sobre o misterioso passado humano na Terra. Segundo ele, possivelmente, seres extraterrestres estiveram em contato com civilizações como a egípcia e a maia. Sua argumentação se sustenta em fatos peculiares e ainda assombrosos, como o posicionamento das três pirâmides de Gizé no Egito, que é proporcional às estrelas da constelação de Órion - estrelas conhecidas no Brasil como "As Três Marias". A circunferência da pirâmide de Quéops que, dividida pelo dobro de sua altura, tem como resultado o célebre número de Ludof, Pi = 3,14159. Um meridiano que passe pelo seu centro divide continentes e oceanos em duas metades exatamente iguais. Aliás, a própria construção das pirâmides em si é extraordinária. Ainda hoje, não se sabe como foram construídas nem o método usado. Como teriam os egípcios realizado construções de tal porte e com tamanha precisão astronômica?

Os maias também construíram pirâmides e tinham alguns conhecimentos fantásticos. Sabiam que a Terra demora 365 dias para girar em torno do sol. Seu lendário calendário data, com perfeita exatidão, todos os eclipses e eventos solares até o ano de 2012! Outro mistério citado é o dos mapas do pirata Piri Reis, integrantes de sua obra Bahyre, publicada no século XVI. Segundo ele, os mapas foram realizados a partir do estudo de todas as cartas existentes de que tinha conhecimento, algumas "muito antigas e secretas". Foram redescobertos nos anos 20, mas o caso só veio à tona nos anos 50. O mapa apresenta, com exatidão, a Cordilheira dos Andes e até o Rio Amazonas, áreas até então inexploradas! Contém também a Antártida, suposto continente perdido e um dos maiores mistérios da humanidade. Como poderiam tais mapas serem realizados sem o auxílio de um veículo aeromotor?

Picareta ou não, Däniken intriga e, ao seu favor, admite apresentar apenas uma teoria não-comprovada. De fato, assim como extraterrestres podem ter auxiliado no desenvolvimento de tecnologias humanas, um inteligente coelho gigante vindo de uma suposta civilização intra-terrena de Vênus poderia também fazê-lo, não é mesmo? Em realidade, talvez a comoção maior de Astronautas seja causada pelo completo ou parcial desconhecimento das pessoas sobre os próprios mistérios assim como sobre as civilizações antigas (e aqui este autor se inclui). É muito mais fácil manipular teorias sobre um assunto o qual a humanidade não têm conhecimento completo (a civilização mesopotâmica, por exemplo), ainda mais quando o pouco conhecimento que se tem não é exatamente um lugar-comum na cabeça do público em geral, sendo fácil deste modo exercer um fascínio sobre algo que já é misterioso. Dan Brown é o maior expoente disto em nossos tempos.

Agradável, no entanto, foi meu contato com este fenômeno da cultura pop. Que venha agora Caio Fernando Abreu!

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Êxtase Brandoniano

É notória a minha insatisfação com a cidade de Santos. Culturalmente, pouco (se quase nada) me atrai. Invejo São Paulo com suas salas de cinema alternativas que exibem Wilder, Bergman, Fellini e estrelas como Monroe, Garbo e Davis como algo rotineiro. Com este sentimento iniciei a segunda-feira do dia 15. E com uma pitada de raiva também.

Navegando pela Folha Online descobri, em destaque, que filmes raros do grande Ingmar Bergman serão exibidos na Mostra de Cinema de São Paulo deste ano. Como tudo que é bom nunca chega a esta província-wannabe-metrópole, claro que não me espantou. De fato, seria um feito extraordinário se um evento deste porte sequer chegasse perto de Santos (embora que, Deus saiba lá por que, Dionne Warwick, que já pisou nos palcos do Madison Square Garden, esteve duas vezes a fazer shows há poucas ruas de minha casa no último ano).

A indignação porque não terei a experiência única de assistir Bergman no cinema transformou-se em curiosidade. Será que Santos nada tem de interessante a Vilângelo ou Vilângelo que, por não ter interesse em Santos, não sabe se há algo interessante de fato? E em tal questão hamletesca, dirigi-me destemidamente ao Google em busca de desbravar os supostos recantos da boa cultura na minha tão lamentavelmente tediosa cidade. Eis que fiz um excelente, se não quase surreal achado: o Museu de Imagem e Som de Santos.

O MISS está localizado no Teatro Municipal da cidade e, quem conhece o local, certamente compreenderá do que falo (sim, toda vez que tal Teatro vem a minha cabeça só consigo pensar em como o local é feio e mal-cuidado). O MISS não é nenhuma evolução neste sentido. Pouco pude ver do museu em si, que abriga milhares de LPs (entre eles, o primeiro álbum de Elvis Presley e um dos primeiros de Little Richard). Há uma mensagem no site dizendo aos visitantes que é permitido gravar os LPs em fitas K7 para se levar pra casa (pergunto-me se há ironia nisso mas, ao descobrir que a grande maioria dos filmes exibidos no auditório deles é em VHS, reservo-me ao direito de ficar calado).

Mas eis que pulo o momento maior da extraordinária descoberta do MISS. O descobri ao saber que Sindicato de Ladrões, uma das obras máximas do genial Elia Kazan, com uma performance definitiva e histórica de Marlon Brando, seria o filme exibido na "Sessão Retrô" do auditório deles, que acontece todas as segundas-feiras há anos! Sim, mais tarde, ao pesquisar, descobri que, por anos, perdi exibições de Gene Kelly, Cary Grant, Bette Davis, Laurence Olivier, Fred Astaire, Marlene Dietrich, Ingmar Bergman, Federico Fellini e tantos outros... e ainda por cima de graça!

Havia já estabelecido certa programação para o dia, mas quem se importa com o que quer que há de ser feito quando se pode assistir Marlon Brando na silver screen? Bastou-me persuadir alguns amigos, e já estava a caminho de tal glorioso momento!

Como comentei sobre a precariedade das instalações do Teatro Municipal, aqui falo sobre o auditório do MISS: as cadeiras, embora estofadas, não eram de fato confortáveis, o aroma da sala não era dos melhores e, sendo sessão grátis, considerável parte do público era constituída pelos mendigos dos arredores que, obviamente, em nada ajudaram na melhoria do odor da sala. A minha cópia do filme em VHS (gravada da TV) era também infinitamente superior à exibida, que deve ter sido algum relançamento oitentista de clássicos em vídeo que, Deus lá sabe como, não embolorou. Mas não reclamemos da boa cultura dada de graça!

Até porque nenhum empecilho merece menção quando surge ele, imenso na tela, um Deus mítico do cinema... Marlon Brando! Como envolto num sonho louco, desses de extrema felicidade e realização aos quais, ao acordarmos, cinzentamente constatamos que apenas no mundo dos sonhos poderia ter acontecido. Mas eu vi ele! Eu vi o Marlon Brando no cinema, como já havia visto várias vezes no meu televisor, como milhares de pessoas viram em sua estréia original, em 1954! E em um dos maiores filmes de Elia Kazan, mestre da direção em clássicos como Vidas Amargas com Jimmy Dean e Uma Rua Chamada Pecado, com Vivien Leigh e o próprio Brando!

Sindicato de Ladrões
, filme do ano no Oscar de 1955, começa com a morte "encomendada" de um grevista, de certa forma ajudada por Terry Malloy, personagem vivido por Brando. Terry, que costumava ser lutador de boxe, trabalha agora no porto para Johnny Friendly, o chefão corrupto do sindicato. Em realidade, Terry não trabalha, ganha grana fácil e executa os trabalhos mais simples... em resumo, é um "vagabundo" (e aqui temos uma das frases mais memoráveis do trabalho de Brando no cinema. Em uma cena com seu irmão, Terry diz: "Você não entende! Eu poderia ter sido um lutador! Eu poderia ter sido alguém! Ao invés de um vagabundo, que é o que sou!"... e o filme atinge seu ápice com a morte do irmão de Terry). A irmã do grevista morto, interpretada por Eva Marie Saint, recusa-se a retornar a escola enquanto não descobrir quem matou seu irmão. Um padre (interpretado por Karl Malden), a ajudará em realizar tal descoberta. Terry Malloy e Edie (Eva Marie Saint) se apaixonam e... será que Terry vai revelar o que sabe? Quando seu irmão é morto, ele decide-se a acabar com o império de Friendly. Não revelarei o final para futuros apreciadores da obra de Kazan, mas não devemos ignorar e ao menos mencionar a beleza simbólica da cena final!

Brando brilha na performance de uma vida (provavelmente a maior performance de Brando, seguida por Uma Rua Chamada Pecado... sim, nunca fui entusiasta de O Poderoso Chefão!), onde cada movimento e cada palavra sua na tela são manifestações estásicas de um talento raro e extraordinário que, em sua legitimidade, contagia-nos também com seu êxtase de expressar!

Ao final da película, meus olhos ainda custavam a digerir a grandeza do momento que haviam presenciado! E eu retornei ao meu mundo caseiro como quem é agraciado com um milagre... "Eu vi Marlon Brando! Eu vi Marlon Brando! Eu vi Marlon Bando!" Ao anoitecer, esvaziei a minha mochila e percebi que haviam levado minha carteira, com todos meus documentos, cartão do banco e dinheiro retirado e vislumbrado por tão pouco tempo, certamente no ônibus lotado a caminho do paraíso Brandoniano. Mas tudo bem. Por ele eu faria tudo isto novamente!

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

O Octênio da Repetição

"Vou seguindo pela vida
Me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte
Tenho muito que viver

Vou querer amar de novo

E se não der não vou sofrer

Já não sonho

Hoje faço com meu braço o meu viver..."


Milton Nascimento, "Travessia".


O Octênio da Repetição
Bruno Vilângelo

À vedada tez:
Por tanto tenho o rubro do olhar
Minha chapliniana máscara de pantomima cansada
Desatinada
De longínquia estar a ventura
Que os sentidos já há tanto anseiam

A ostentar na languidez dos passos
Desonra inconfessável
Que cesso em escutá-los e existí-los: não os quero mais
Destemidez sou agora
Em sinuosas lembranças de outrora

E quando nos passos mudos e prostrados
Confronto a crueza nua destes degraus
Não mais quero que vejam minha'lma
Em lancinante putrefação

A mim e à minha fortaleza perdida
Estou certo ao subir nestes passos prosaicos
Que, por tanto tempo
Crescer de nada adiantou
Meu imutável intrínseco de sofrer...
Nada mudou.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

E Então Começava 1983...

"Michael Jackson, por que custou tanto a aparecer Michael Jackson? Os deuses desapareceram há milênios, o grande Pã morreu ninguém se lembra mais quando. As religiões, sentindo-se solitárias, abraçaram-se ecumenicamente, pórem nenhuma apresentou um fato novo, de importância cósmica. Foi preciso que um útero... Não. Michael Jackson, o divino, nasceu da barriga de um meteoro ou da pura luz ou das entranhas do Fatum. Tinha que nascer diferente, para crescer diferente e seduzir diferente a humanidade. O disco de MJ substitui plenamente as Epístolas de São Pedro, São Paulo e São Tiago, e até a novela das 8. Colossenses, Tessalonicenses, Coríntios (e corintianos também), detende-vos e escutai a Voz que vem de Michael. A voz e os gestos. Escutai os gestos, as lantejoulas pretas, a cabeleira incendiada no comercial de tevê, escutai o lobisomem em que ele se transformou."
Carlos Drummond de Andrade, Jornal do Brasil, 19/07/1984.

Alguns momentos glorificam as carreiras de todo grande talento. O gol impossível, a atuação impecável. Michael Jackson já tinha tudo isso e muito mais em 1982. Ele já era, em realidade, um superstar internacional. Contava já com seus trunfos da infância - a icônica imagem que temos na cabeça dele, menininho, com seu grande afro e seus quatro irmãos, entretendo multidões com seus ABC, I Want You Back, I'll Be There e tantos outros sucessos - e com a recente consagração do álbum Off The Wall, disco este que no início dos anos 80 já liderava como o mais vendido por um negro em toda a história da indústria fonográfica. Jackson, no entanto, não ficou satisfeito. A tal premiação Grammy indicou Wall para apenas duas categorias, o que o deixou extremamente desapontado. Sua resposta mental para tal esnobismo da premiação, como registrada no livro Moonwalk, seria a profecia mais acertada da história da indústria fonográfica: "O próximo eles não vão poder ignorar".

Quando Michael Jackson retornou com um novo LP nas lojas em 1º de dezembro de 1982, recebeu críticas favoráveis. Esperava-se que o disco vendesse consideravelmente bem, embora muitos executivos duvidassem de um sucesso à lá Off The Wall, que já era recorde. A estratégia de lançar o compacto de The Girl Is Mine antecipadamente surtiu efeito: nos Estados Unidos, o dueto com Paul McCartney chegou ao no. 2 entre as 100 mais tocadas, recebendo disco de platina por 1 milhão de cópias vendidas. Com isto, Thriller já catapultou imediatamente para a 11ª posição dos 200 discos mais vendidos em solo norte-americano, segundo a Billboard.

E então começava o ano de 1983. Depois dele, nada mais seria o mesmo no mundo do entretenimento, na indústria fonográfica, na recém-criada MTV, nos noticiários, nas revistas de fofoca, nas conversas de salão, no recreio da escola... pois ele, na verdade, agora era Ele. Michael Jackson tomou o ano de 1983 para si e sua grandeza, e nele deixou de ser apenas um superstar: ele era agora o superlativo Deus-mítico da cultura pop.

O Big Ben começou em janeiro de 83: era lançada nas rádios o segundo single do novo disco de Jackson, Billie Jean. Com uma extraordinária batida, a letra revelava um Michael suplicante em explicar que Jean não era sua amante e que seu bebê não era seu filho, um manifesto musical que invadiu as pistas de dança e se consagrou como o maior sucesso de sua carreira: foram 7 semanas em primeiro lugar na terra do Tio Sam e 6 meses entre as 100 mais tocadas, rendendo a ele mais um disco de platina pelo single. Grande parte do seu sucesso pode ser atribuído a outro fator da conquista-Jackson de 1983.

A MTV era um canal com pouco mais de 2 anos de idade quando Michael emplacava os hits de Thriller. Especializada em exibir videoclipes, apresentavam também uma restrição: não exibiam videoclipes de artistas negros. Eles seriam obrigados a quebrar sua política racista em pouco tempo. Michael Jackson, encantado com o formato do videoclipe, levou-o a outro patamar. Billie Jean foi provavelmente o primeiro clipe roteirizado da história, e suas cenas marcantes - o chão que acendia com a magia da dança de Jackson - atreladas ao grande hit do momento marcaram com grandeza o início da Michael-mania em todo o mundo.

O próximo compacto, Beat It, não tardou a ser lançado. Chegou às lojas em fevereiro e escalou lentamente até chegar ao top 10 da Billboard (onde permaneceu por 10 semanas) e ao topo do chart por 3 semanas consecutivas. Michael Jackson agora igualava o sucesso de Thriller ao de Off The Wall: ambos emplacaram dois singles em #1 na parada americana.

Sua escalada ao posto de Deus do Pop teve outro ponto crucial em Beat It: seu segundo videoclipe. Nele, Michael esbanja energia ao impedir o confronto de duas gangues rivais e promover uma grande dança coletiva. Com Billie Jean e Beat It, Michael Jackson popularizou mundialmente o formato do videoclipe que seria agora um fator indispensável na campanha promocional de todo artista pop/rock. Conseqüentemente, a conquista da MTV como canal se deveu justamente ao pioneirismo artístico de Jackson.

Em 16 de maio de 1983, Michael Jackson dava seu penúltimo passo em direção ao mito de si mesmo: foi a noite em que milhões de americanos acompanharam uma das maiores performances da história da dança. O evento foi o Motown 25, show que comemoraria os 25 anos da gravadora Motown com apresentações de vários artistas, incluindo de Michael Jackson como membro do The Jacksons. Ao término da performance com os irmãos, Michael exorciza o seu passado - "Estes foram os dias antigos. Eu realmente amo essas canções..." - e dá o passo em direção à sua glória de mito-mor da história do entretenimento - "Mas o que eu gosto mesmo são as músicas novas" -; começavam as batidas de Billie Jean e Michael, movendo-se ferozmente, incultaria no inconsciente popular sua imagem mágica, misteriosa e fascinante, com um popismo comparado apenas ao de Carlitos: sua luva brilhante, meias reluzentes, sapatos mocassim, o chapéu preto... todos componentes da força sobrenatural que, naquela noite, aterrorizou 50 milhões de lares com sua inexplicável genialidade. No meio da apresentação, como se flutuasse pelo ar, Michael oficiamente se transforma em mito ao realizar seu "moonwalk". No dia seguinte, o mito recém-nascido é reconhecido pelos mitos a quem admirava: Fred Astaire liga para Michael Jackson e diz que gravou sua apresentação e assistiu-a duas vezes pela manhã. "Você é uma dançarino infernal, Michael!", disse um dos maiores expoentes dos filmes musicais. Mais tarde, ele e Gene Kelly dariam uma "passada" na casa de Michael para "baterem um papo".

Michael Jackson era agora maior do que a vida. Assim como Thriller. Neste momento, o álbum firmou-se em no. 1 entre os 200 mais vendidos nos Estados Unidos, onde permaneceu por 17 semanas consecutivas. Depois, oscilaria entre a segunda e terceira colocação, retornando novamente ao topo, onde permaneceria por mais 20 semanas, totalizando 37 semanas - 9 meses e 1 semana! - como o disco mais vendido no mercado mais importante da indústria fonográfica! A ânsia por Michael Jackson, que vendia 1 milhão de "Thriller"s por semana só em seu país, fez com que até Off The Wall, disco de 79, retornasse timidamente aos 200 mais vendidos, até conquistar uma respeitável posição #44, adicionando 49 semanas ao seu chart-run americano.

E o enluvado bombardeava as rádios, criando hits Top 10 instantâneos: Wanna Be Startin' Something (a base para o hit-mor de 2008, Please Don't Stop The Music), Human Nature e P.Y.T. (Pretty Young Thing).

Ao término do ano, Jackson conquistaria mais um hit no. 1 com o lançamento de seu dueto com Paul McCartney para o álbum deste: Say, Say, Say. A faixa ganharia ainda um videoclipe com ambos, mas nada perto do que estaria por vir.

A CBS, gravadora de Jackson, satisfeita com os lucros astronômicos e imprevisíveis gerados pela adoração em massa à Thriller, recusou-se a financiar o próximo - e último - videoclipe do projeto. Michael Jackson então desembolsou 500.000 dólares e contratou John Landis, o diretor de Um Lobisomem Americano em Londres.

Em 2 de dezembro de 1983, a MTV - que, desta vez, pagou pela exibição - exibia Thriller, o curta-metragem de 13 minutos pelo qual Michael Jackson estaria sempre associado, sua última empreitada mítica do ano de 83. Um tributo aos filmes de horror, Jackson nos brinda com um dos momentos mais inesquecíveis já colocados em filme: sua namorada, procurando uma forma de fugir dos mortos-vivos que os cercam, olha para Michael e percebe que ele também é um! A sequência de dança que se segue é um irresistível e único momento da cultura pop; é a coreografia que todos nós, em qualquer parte do mundo, podemos identificar como a que consagrou o curta-metragem de Thriller! Como Jackson bancou os custos da obra, pôde ver seu investimento dar frutos com o lançamento do home-video The Making of Thriller, até 1988 o home-video mais vendido de todos os tempos, com 9 milhões de cópias comercializadas (o recorde foi apenas batido por Moonwalker... home-video do próprio Michael Jackson)!

Em 1 ano, Michael Jackson popularizou algumas das canções mais memoráveis da história da música pop, redefiniu o conceito de videoclipe, inovou a dança com surpreendente genialidade e cruzou a linha entre mortais e deuses, transformando-se para sempre em um ícone inigualável da cultura popular nos séculos XX e XXI.

Em 1984, Michael colheu os louros de Thriller ao ganhar 8 prêmios Grammy, vingando-se finalmente da premiação. Envolveu-se no famoso acidente do comercial da Pepsi, onde sofreu queimaduras no couro cabeludo, e percorreu cidades americanas com Victory, sua muito-celebrada turnê com os irmãos. Recebeu 20 discos de platina por Thriller nos Estados Unidos e uma homenagem oficial do Guiness Book, que introduziu Michael Jackson e seu Thriller como o álbum mais vendido da história da música!

Hoje Michael Jackson, a quem tanto amo por sua pessoa extraordinária, completa 50 anos e a ele aplaudemos por agraciar nosso mundo com a beleza de seu talento extraordinário! Em 2008, comemoramos o 25º aniversário do ano que mudou a carreira do Rei do Pop e vislumbramos a vitalidade da sua obra, que atravessa décadas sem perder a essência da supragenialidade daquele menino de Indiana, que ainda encanta a quem, boquiaberto, assiste ao seu "moonwalk" pela primeira vez ou aos seus videoclipes visionários!

A edição especial de Thriller, lançada no início deste ano, é um dos álbuns mais bem-sucedidos de 2008. Em tempos de download, o disco de 25 anos ultrapassou as 2 milhões de cópias vendidas sem qualquer dedo de Michael Jackson na publicidade do mesmo. Suas vendas ultrapassaram até mesmo os lançamentos de Mariah Carey e Usher, considerados dois dos maiores popstars do momento, e Jackson se encontra apenas pouco mais de 500.000 cópias atrás de Madonna que, em seu usual aparato de marketing, já conta com dois singles/vídeos no mercado e uma turnê mundial para apoiar seu álbum. É evidente a imensabilidade do impacto de Michael Jackson e seu talento, tão fortemente cravado em nossa cultura que nem sua imagem altamente difamada midiaticamente pôde arruinar.

"A grande música dura para sempre,"
Michael Jackson disse em uma entrevista há três anos atrás. Sua obra nos prova isso, a cada dia mais. Parabéns Michael pela grandeza da sua pessoa e do seu talento! São seres humanos como você que iluminam nossos corações e nos ensinam os verdadeiros valores desta vida. Este é o legado que teremos orgulho em preservar!

sábado, 16 de agosto de 2008

Madonna e o Fascínio da Imagem

“Os grandes artistas populares são alquimistas. Eles pegam materiais básicos – uma piada tola, uma estória banal, uma letra trivial – e transmutam-nos em ouro. Seus imitadores – os que se encontram abaixo da grandeza – são conjuradores: seus dons são postos ao serviço da ilusão. Com astúcia eles conseguem, ocasionalmente, nos persuadir de que aprimoraram o truque; mas é apenas isto – um truque – e o ouro que produzem não passa de uma imitação barata.” – Christopher Finch, “Rainbow: The Stormy Life of Judy Garland”.

Certamente quem acompanha as notícias do mundo do entretenimento está a par das comemorações dos 50 anos de Madonna e Michael Jackson. É evidente, no entanto, o intenso favoritismo da mídia a tal chamada Rainha do Pop. Em artigos recheados de cinismo e deboche, os auto-intitulados "jornalistas" desfilam parágrafos de oferendas àquela que, só Deus sabe onde, supostamente recheou nosso mundo com uma avalanche de criatividade e genialidade. Jackson, é claro, é citado como o que "perdeu o rumo" ou "enlouqueceu" (tais "adjetivos" apenas nos artigos dos "jornalistas" mais educados, obviamente).

Como o dono deste blog prefere a sinceridade ao contrário da arrogância infantilizada dos tais fãs da Madonna, revelo: não gosto de Madonna, por inúmeras razões. Entre elas, a desta endeusação insana do nada. Esquecemos mitos como Judy Garland, mas idolatramos o tão-chamado "talento" de Madonna. Que Deus nos perdoe!

Entretanto, não causa estranhamento tamanha efusão por conta dos 50 anos de Madonna. Ela está no mercado com um novo álbum, novos clipes e uma turnê mundial a iniciar. Considerando sua inquestionável aura mítica na cultura pop, era de se esperar que todos os meios de comunicação cabíveis se saturassem de homenagens. Mas curiosamente, há sempre um ponto em comum nas tais homenagens: a comparação com Michael Jackson, citando este de forma pejorativa, especialmente por estar inativo.

Pergunto: Que grande mérito há em Madonna ter atualmente um disco nas paradas mundiais? Sendo ela uma megastar acompanhada de uma grande estrutura de marketing, patético seria se tal feito não fosse conquistado. Ainda mais se tendo nomes como Justin Timberlake e Timbaland no disco. O sucesso então é uma prova do talento de Madonna (?) ou apenas de seu timing e noção de mercado, em convidar nomes quentes do momento pra garantir sua posição nos charts? O novo álbum de Madonna, como todos seus outros, nada tem de grandioso e inovador. Ao contrário de muitos, não me espanto com a mudança do estilo dance para o R&B/Hip Hop, apesar de tal mudança ser uma óbvia tentativa de conectar-se com o público adolescente americano, não entusiasta da techno-music. Madonna nunca teve uma identidade musical forte e tampouco contribuiu para a música, ao contrário de Michael Jackson, sempre lançando o que quer que estivesse em voga. Prova disso é a qualidade nostálgica de todos seus álbuns, que podem ser tidos como retratos da música pop mainstream do passado, enquanto Off The Wall de Jackson, por exemplo, continua sendo referência aos popstars do momento quase 30 anos depois de seu lançamento.

É curioso também o sucesso de Madonna ser sempre atribuído ao presente, como se a qualidade de seu trabalho ou o interesse no mesmo fosse a motivação-mor do sucesso que ela geralmente obtém. Não é! Madonna, assim como qualquer um que tenha sido fenômeno em algum ponto de sua carreira (e há validade nisso desde Michael Jackson à Xuxa), terá uma enorme probabilidade de obter êxito nos projetos que realiza por ter conquistado um público fiel, em especial se tais projetos forem comercialmente viáveis (como seus hits para adolescentes).

Comercialmente e, mais importante, artisticamente, é interessante observarmos a trajetória de Madonna e compararmos em justiça com a de Michael Jackson, já que tal comparação, absurda até em Plutão, parece ser a favorita dos anti-Jackson.

Quando Madonna começou a estourar, em 1984, Michael Jackson já tinha consolidado Thriller como o álbum mais vendido de todos os tempos. Enquanto Jackson nos brindava com clássicos da música como Billie Jean e apresentava o seu moonwalk, Madonna esganiçava Like a Virgin e rolava pelo chão do Video Music Awards da MTV (premiação esta que só existiu pelas obras pioneiras de Jackson em videoclipe, que popularizaram o formato), demonstrando efusivamente o seu grande talento artístico.

No final dos anos 80, Jackson lançava seu home-video The Legend Continues, que trazia depoimentos de lendas como Elizabeth Taylor, Katharine Hepburn, Gene Kelly e Sophia Loren sobre o talento de Michael Jackson. O coreógrafo de Fred Astaire, que trabalhou com o mesmo desde seus primeiros musicais na RKO, admitiu: "não comparem Michael Jackson com Astaire ou Kelly pois ele é um dançarino com seu próprio mérito e com seu próprio estilo". Pouco antes de morrer, Fred Astaire diria sobre Jackson: "Obrigado Michael! Não queria deixar este mundo sem saber quem meu sucessor seria!" Pouco depois, Madonna estaria nas manchetes por simular sexo no show Blond Ambition e lançaria seu documentário Na Cama Com Madonna, um monumento da egocentria em filme.

Michael Jackson retornaria em 91, com seu vídeo Black Or White exibido simultaneamente em 27 países para uma audiência de 500 milhões de pessoas, recorde absoluto de audiência para um videoclipe. Jackson ainda tornaria Dangerous o álbum mais vendido de 1992, com mais de 16 milhões de cópias no ano e ganharia o prêmio de Lenda Viva no Grammy. Madonna amargaria o fracasso de seu projeto "ambição sexual-revolucionária", consistindo no livro Sex, filme Corpo em Evidência e álbum Erotica. Este rolaria abaixo nos charts com pouco mais de 5 milhões de cópias vendidas, mesmo com uma turnê mundial para apoiá-lo.

Pelo resto dos anos 90, Michael Jackson ainda teria êxito comercial com HIStory e Blood On The Dance Floor, álbum duplo e álbum de remixes mais vendidos de todos os tempos, respectivamente. Nos anos 2000, Michael teria um álbum de inéditas sabotado pela Sony Music, seria ridicularizado pela imprensa e julgado por uma acusação de abuso sexual de um menor. Madonna, como gostam de enfatizar seus seguidores, lançaria vários discos e emplacaria alguns sucessos (nenhum de relevância como os do início de sua carreira, no entanto).

O ponto óbvio, cego aos olhos dos fãs da material girl, é a delimitação clara entre arte e entretenimento. Madonna é, como li um crítico musical dizer certa vez, um ato de cabaré que deu certo. Ela entrou na onda do megamarketing (iniciada com o fenômeno de Thriller) e transformou-se em uma das maiores estrelas do nosso tempo, abusando da publicidade pessoal e flertando com temas polêmicas como religião e sexualidade. Embora seus concertos possam ser bem-trabalhados e até mesmo interessantes como entretenimento, são sofisticados deste modo justamente para compensar a absoluta falta de talento de Madonna como uma autêntica performer e até mesmo como artista, na extrema semântica do termo.

O astucioso jogo de publicidade de Madonna com atitudes esdrúxulas (como beijar Britney Spears, por exemplo), que causam tanta polêmica vazia em nossa sociedade moralista, é o ponto-base do fascínio que sua imagem exerce. Seus fãs tomam tais atitudes como grande exemplo de “coragem” (vale lembrar que, na ocasião do beijo com Britney Spears, no Vídeo Music Awards, seu álbum American Life fracassava nos Estados Unidos) de uma mulher “emancipada”. Madonna, desta forma, se torna mito, e não por conta de algum talento extraordinário que possua.

Michael Jackson e Madonna. A única coisa que ambos têm em comum, além de terem nascido no mesmo ano, é a conquista do status de ícones mundiais durante os anos 80 e as vendagens absurdas de centenas de milhões de discos. Enquanto Michael Jackson pertence à mesma categoria de Astaire, Gene Kelly, Sinatra, fascinando a todos com sua supra-genialidade para o canto e a dança, Madonna é uma mera empresária calculando suas próximas jogadas de marketing para conquistar mais adolescentes ávidos por um ídolo pseudo-revolucionário.

Neste sentido, é de nula importância o fato de Jackson não ter um disco de inéditas em sete anos. O universo artístico foi tão fundamentalmente transformado por seu talento que ele pode dar-se ao luxo de dar o ar da graça de década em década, se for sua vontade. Seu clássico Wanna Be Startin’ Something é a base para um dos maiores hits do ano, Please Don’t Stop The Music da popstar Rihanna. O relançamento de Thriller, com um modesto single remixado lançado para as rádios, estreou como o disco mais vendido no mundo no começo do ano e, segundo estatísticas, alcançará até o final de 2008 as 3 milhões de cópias. Vale citar que Hard Candy, novo disco de Madonna altamente promovido, está perto da mesma marca.

Aplaudemos Madonna, entretanto! Hoje é seu 50º aniversário e, sejamos sinceros, são poucos os que conseguem um feito extraordinário como o seu: convencer todo o mundo, por mais de 20 anos, que é uma artista brilhante, revolucionária e genial ao patamar de Jackson, travestindo com excelência polêmicas baratas em pioneirismo artístico. Por estas e outras, congratulations Queen of Pop!

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Goodbye, Norma Jean...


Há 46 anos, perdíamos a estrela mais cintilante do horizonte cinematográfico. Norma Jean nos deixava para imortalizar Marilyn Monroe. Nas palavras de Elton John, Monroe viveu "como uma vela no vento". Sua vela já se apagou há muito tempo, mas nunca sua lenda.

Deixo-os com um pequeno poema que escrevi há dois anos. Que Deus lhe abençõe, Marilyn!


Para Monroe, de Quem Morre

À tarde, teço memórias para entreter o coração
E sorrir pra não cansar o tempo escasso
Do teu semblante estou a um passo
Da fotografia que inspira mais sincera oração

És tua a dor mais forte e estridente
Que resplandece nos teus olhos de fúlgida centelha
E ergue teu nome no céu até a mais alta estrela
Marilyn, tornaste-te ícone capital do mais berrante vazio
que se sente

E no falso brilhante do louro preto-e-branco já desbotado
Todas as coisas estão cheias de deuses, como a ti
Pois morrer é viver na solução do teu fado

Para sempre estarás encantada, num sonho eterno, sorrindo-te
Na alma dos que ostentam em ardor corações flagelados
Nobilíssima chuva que me faz chorar, seu nome guarda-te
Marilyn Monroe, símbolo eterno daqueles que nada buscam
a não ser serem amados.


quarta-feira, 30 de julho de 2008

Jimmy Dean: O "American Rebel"


"É tão estranho. Os bons morrem jovens. Assim parece ser, quando me lembro de você que acabou indo embora, cedo demais..."
Renato Russo, "Love In The Afternoon"


Conheci James Dean em dezembro de 2002, quando uma homenagem na TV à cabo apresentou seus três únicos filmes. Naquela época, tinha já flertado com as comédias de Marilyn Monroe, e era tudo o que conhecia então da chamada "era de ouro" de Hollywood.

Minha identificação com o ídolo não foi imediata. Foram necessários alguns anos, sim, os cruciais anos do "high school", tão bem representados pela sua on-screen persona, para que Jimmy se tornasse um dos meus ídolos totais. Em certa época, "Juventude Transviada" rodava todas as sextas-feiras à noite no meu videocassete. Era como se, depois de enfrentado todos os fantasmas da semana, encontrasse afinal um amigo. O Jimmy angustiado, barulhento, rebelde. Nem criança, nem adulto.

Nas últimas semanas, mergulhei no universo de Fairmont, Indiana, depois Los Angeles, Nova York - e novamente Los Angeles - durante os anos de 1931-1955, na biografia clássica de Jim, "The Mutant King", escrita por David Dalton.

A impressão é de que nada havia que o menino prodígio não pudesse fazer. Morando em Fairmont com seus tios desde a morte da mãe, o pequeno Jimmy Dean era o maior esportista da escola e, ao mesmo tempo, o maior talento em artes dramáticas. Ambicioso, muda para LA para estudar artes cênicas, mas logo larga o curso e vai tentar a sorte em Nova York. Depois de uma aclamada performance em "The Immoralist" na Broadway, Jimmy conhece aquele que todos os aspirantes a ator de cinema nos anos 50 gostariam de conhecer: Elia Kazan.

Elia Kazan era o cineasta de filmes polêmicos e inovadores que havia levado Marlon Brando ao estrelato mundial com "Uma Rua Chamada Pecado". Jimmy - disputando com o então novato Paul Newman - logo ganha o papel de Cal Trask, na versão cinematográfica para a obra de John Steinbeck, "East Of Eden", intitulado no Brasil como "Vidas Amargas".

Começa aqui a construção do mito-ídolo-ícone James Dean. Ele interpreta o filho problemático que não recebe amor do pai. Amargo, Cal/Jimmy faz negócios para recuperar o dinheiro perdido pelo pai em uma empreitada fracassada, na tentativa de obter seu reconhecimento e afeto. Chegado o aniversário do pai, Cal entrega o dinheiro a ele, e o que se segue é uma das seqüências mais brilhantes da genialidade de Dean como ator. O clímax da obra: o pai, ofendido, recusa-se a aceitar o dinheiro. Jimmy ardorosamente o abraça e sai de casa num misto de grito e choro, tombando com a mesa. Sua performance lhe renderia uma indicação póstuma ao Academy Award.

Entretanto, é em seu próximo filme que James Dean assumirá sua persona mítica, em calças jeans e jaqueta vermelha.

"Juventude Transviada"
, do diretor Nicholas Ray, tornar-se-ia o retrato mais fiel dos adolescentes americanos nos anos 50. A geração do pós-guerra, em incessante revolta contra o mundo, construindo sua própria sociedade alienada, disputando rachas e praticando crimes. Longe dos jovens retratados em filmes familiares dos anos 30, como a série "Andy Hardy".

Jimmy, nesse filme, paradoxalmente interpreta um personagem também chamado James: no filme, ele leva o apelido de 'Jim'. Jim Stark. Jim Stark é um garoto que só se envolve em problemas e ninguém sabe o porquê. Novo na cidade, ele irá freqüentar a Dawson High, onde irá conhecer os seus co-leaders na trama, Judy (Natalie Wood) e Platão (Sal Mineo). Dois personagens estigmatizados, Judy é a garota que se envolve com rapazes da gangue barra-pesada para atrair a atenção de seu pai; Platão aparece na seqüência inicial do filme, na delegacia, por ter atirado em cachorros filhotes, quando descobrimos que sua mãe viajou em seu aniversário e que seu pai, aparentemente, não o vê há anos - e nem demonstra interesse em tal. Platão, ao vislumbrar Jimmy, identifica aquele que talvez possa suprimir sua carência paternal.

Passemos à seqüência do planetário. Talvez subliminarmente, uma passagem de fato interessante acontece quando Jimmy chega ao planetário. Ao entrar em cena, o professor acaba de dizer a seguinte frase: "Por muitos dias antes do fim de nosso planeta, as pessoas olharão o céu à noite e perceberão uma estrela, crescendo em brilho e aproximação". Para um filme repleto de simbologias, esta certamente é bastante curiosa.

Jimmy irá mais tarde participar de um racha, em que seu inimigo acabará morrendo. Decidido a prestar depoimento na polícia, Jimmy confronta seus pais que, apesar de terem lhe educado a sempre "contar a verdade", acham que este não é o momento apropriado para aplicar tal ensinamento. Não é "conveniente". Jimmy, indignado, parte para cima do pai e foge de casa, encontrando Judy no caminho.

Bom, vou poupar o final da história para futuros espectadores desta grande obra de Nicholas Ray. Obra esta que Jimmy nunca viu lançada.

James Dean estava oficialmente morto quatro dias antes da estréia nacional de "Juventude Transviada" nos Estados Unidos, vítima de um acidente de carro.

O fenômeno que se seguiu foi tido por alguns como extraordinário, único e até incompreensível. Jimmy já era astro pelo belíssimo "Vidas Amargas", mas foi em "Juventude Transviada" que ele, em Cinemascope e Warnercolor, tornou-se o mártir multimídia de uma geração inteira.

James Dean tornou-se um fenômeno mundial único. Ele era a voz da juventude, mas estava morto. Para alguns, isto foi intolerável. Na Alemanha, duas garotas cometeram suicídio um ano depois da morte de Jimmy, dizendo que a vida sem ele era "insuportável". Mais de 3.000 pessoas participaram da cerimônia em homenagem ao primeiro ano de sua morte, na cidadezinha de Fairmount. Até hoje, todos os anos em Fairmount é realizado um evento em homenagem ao superastro.

Muito foi debatido na época de sua morte sobre o porquê Jimmy Dean tinha um impacto tão grande entre os jovens, e até mesmo adultos. James Dean foi simplesmente o único ator a retratar com hipersensibilidade todos os conflitos e tormentos que se operam na tortuosa fase da adolescência. Ele disse na tela tudo o que os adolescentes queriam dizer a seus pais, e não conseguiam. Com tamanha identificação emocional, tornou-se instantaneamente um ícone na moda. Mais tarde, teria extrema importância no movimento do rock-n-roll, donde surgiriam os novos ídolos da juventude. Com a morte de James Dean, o cinema, que já enfrentava problemas com seus astros e estrelas envelhecendo, teria nele seu último grande astro do "star system".

Sua imagem já rodou os quatro cantos do mundo e é tão conhecida quanto a de Mickey Mouse, mas a mensagem de Jimmy é seu verdadeiro legado. A legitimidade desta é atestada quando outras gerações - como a do escritor que vos fala - se identificam e são tocadas por ela.

Jimmy Dean, em seu rosto de menino perdido, tocou a minha vida e fez - faz - parte da minha história. E de muitos outros ainda fará, por quantos anos-luz seu inesquecível "You're tearing me apart!" fazer esboçarmos um sorriso de "é isso mesmo, Jimmy, sabemos como você se sente!"