sábado, 14 de fevereiro de 2009

Rainha da Re-Invenção?

Comum tornou-se os visitantes de meu humilde quarto se referirem à moça de um belíssimo quadro que se encontra agora na minha frente como "Madonna". Não me dei ao trabalho de corrigir nenhuma das vezes que tal infortunada confusão aconteceu. Quem me conhece um pouco além da superfície sabe como é absurda a idéia de que eu poderia cultivar um quadro de Madonna no meu humilde quarto. Francamente! O quadro em questão é uma foto em preto-e-branco da belíssima, única e divina Marilyn Monroe. Mas depois de tais confusões me pus a inspecionar mais de perto o quadro, não para reconhecer as razões óbvias que causaram tal "confusão", mas como se para me perguntar se eu, em minha pré-adolescência, não me apaixonei por um reflexo de Marilyn Monroe, e não por Madonna. Não posso ao certo dar uma resposta, embora muito contente ficaria se tal questionamento se revelasse verdadeiro.

Para qualquer mero conhecer de cultura pop, não é nenhuma novidade que Madonna se "inspirou" várias vezes em Marilyn Monroe. Em meus tempos de fã (à lá Dirk Bogarde em 1961, Meu Passado me Condena), inúmeras foram as fotos e vídeos de Madonna que vi ou li sobre terem sido inspirados por Marilyn Monroe. À época, eu pouco conhecia de Monroe ou da Era de Ouro de Hollywood, fonte maior da "inspiração" de Madonna. Entretanto, uma coisa torna-se óbvia para mim, em especial depois da passagem da entertainer pelo Brasil. Madonna é algo muito menor do que pintam que ela seja. E não me refiro à louvações sobre seu suposto talento artístico, afinal, a completa falta de talento de Madonna é óbvia à percepção de qualquer pessoa sensata. Mas quanto à sua condição de superstar, no país da euforia, ela não suscitou suspiros. E sejamos realistas, independente de paixões a parte, quando que Michael Jackson, em turnê mundial, não foi a manchete principal do país onde esteve? O astro "decadente" não pode sequer fazer compras sem ser cercado de papparazzis e fãs, como nas suas recentes visitas ao dermatologista. Na época, defendi que o desinteresse por Madonna vinha de uma imagem artística inexistente, de um roubo de mítica ao longo dos anos que ela cometeu contra Monroe e Dietrich, em especial. Não fosse isto, porque uma pessoa, em sã consciência, confundiria uma imagem de Marilyn Monroe com uma de Madonna? Alguém por acaso confunde Elvis Presley com James Dean? Bette Davis com Janis Joplin?

Mas pós minha era de "fã", nunca me dei ao trabalho de uma análise mais interessante dos rip offs que Madonna fez de outros artistas. Recentemente, veio ao meu conhecimento o blog Madonna Revelations, aparentemente mantido por um ex-fã, que expõe tudo isto por meio de fotos. Algumas parecem um pouco forçadas, admito. Por exemplo, o sutiã cônico de Bettie Page e o de Madonna. Poderia até ter sido uma inspiração, mas não uma cópia deliberada. Aliás, considero o momento do sutiã cônico de Gaultier um dos poucos originais de Madonna, se não sua maior trademark, se é que este termo se aplica a ela. Percebam que quando alguém imita Madonna, os looks mais "seguros" a serem usados, sem dar margem a outras interpretações, são o tramp-look de Like a Virgin, o sutiã cônico e o cabaret-look do primeiro bloco do Girlie Show. E certamente que um fã de Madonna poderia argumentar que ela teria direito a prestar homenagens aos seus ídolos. Eu certamente concordaria. Michael Jackson, meu ídolo, já posou como Chaplin, por exemplo. Mas o que acontece quando a "homenagem" não se resume apenas a uma sessão de fotos ou a um videoclipe que seja (ou quando todos estes se tornam homenagens), quando o "look" emerge para a vida real e a artista, sem pudores, copia até trajes e penteados famosos de grandes astros para desfilar em eventos? Acontece o registrado nas imagens abaixo:

- Greta Garbo (1, 2, 3)
- Bette Davis (1, 2)
- Brigitte Bardot (1, 2, 3)
- Marilyn Monroe (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14)
- Marlene Dietrich (1)
- Audrey Hepburn (1)
- Jayne Mansfield (1)
- Princesa Diana (1)
- Jean Harlow (1, 2)
- Debbie Harry (1)
- Louise Brooks (1)
- Horst P. Horst e o videoclipe de Vogue (1, 2, 3)
- Carole Lombard (1)
- Jennifer Jones (1)
- ABBA (1)
- Tina Turner (1)

Há ainda uma matéria sobre o processo movido contra a estrela por plágio em seu videoclipe Hollywood

O triunfo do marketing: como uma mulher sem absolutamente nenhum talento artístico extraordinário, manipulando imagens em furto à aura de outras estrelas, conseguiu ser a mais famosa e a que vendeu mais discos em toda a história da indústria fonográfica? Como ela sequer pode ser coroada como uma espécie de rainha da re-invenção é uma questão absurda. Sendo ela todas as estrelas, na verdade, não é nenhuma. Madonna é estrela, mas nunca essencialmente um mito, o que demandaria, com o nível de fama dela, um resquício de originalidade que ela nunca demonstrou ter. Em uma coisa devo concordar com o dono do Madonna Revelations: Madonna pode ter emulado por boa parte de sua carreira Marilyn Monroe, mas nunca conseguiu conceber a aura sexy, infantil e trágica daquela estrela única. Madonna é vulgar demais para parecer humana a este ponto, e low-class demais para ser uma Dietrich, embora ela tenha tentado. 

E quem, afinal, é Madonna? Além de uma cantora e dançarina medíocre apoiada em superproduções? Além de uma media-attention-freak que atingiu o superestrelato graças a era do videoclipe e de suas polêmicas incansáveis? Além de uma estrela capaz de ser tudo menos ela mesma? Porque proclamam-na como uma artista de "vanguarda", "inovadora" e, risivelmente, autêntica? Talvez um breve exercício de revisionismo histórico, previsível e digno de quem, apesar de tudo, acredita que Madonna é merecedora do título artista.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

O Adágio

Evasivo. Ainda ouço tua acusação, longe, áspera, tu, sempre com essa aparência de casas bucólicas e cruzes na parede. Não lembro mais de como já fui; também não sei o que agora sou. O futuro preocupa-me porque não sei se vivo errado... será que existe isso? Viver errado? Ah, minto novamente. O problema não é o que há de ser, mas o tanto que já foi. Tanta coisa já foi que não há sã motivo para continuar sendo. Como se o que há de vir não seja apenas o pré-traçado desde o fatídico dia em que me encontrei nesta condição. Tudo o que foi há de ser novamente. Este talento sábio também adquiri naquele fatídico dia. E o que há de ser disto que intitulo de "minha vida" além da futura repetição dramatizada e plagiada, em trajes novos, de todos os infortúnios os quais tenho sido acometido?

Meu corpo está cansado. Aqui digo uma verdade. Há uma indizível crueldade nos reflexos dos espelhos. Não os tolero e não permaneço onde seus horrores existam. A defrontação com uma máscara pálida e degradante que não reconheço. Fico a olhar, buscando os doces traços a cada dia mais distantes, o sorriso ingênuo e aqueles cachos que cultivavam pomposamente em minha cabeça. Nisto há também Albinoni e o Adágio. A luz do dia cansa a letargia de minhas memórias. E nelas existe Albinoni e o Adágio. Em que vago momento do passado teria eu escutado os acordes deste hino à melancolia? Saberia eu, deste então, que o Adágio funcionaria tão perfeitamente como trilha-sonora da minha existência? Aqui está ele, indissolúvel em minh'alma, acompanhando-me como quem acompanha um cortejo, como quem, mais sábio do que eu, conhece o final da história e não recusa a admiti-lo. O Adágio é surreal, como minha figura, com seus passos apressados no absurdo da existência. O por quê, o pra quê. As cruzes na sala de estar. 

Tu precisas de um médico, dizias tua boca sacrossanta. Nunca há de entender. Nunca. Eu quero o que tenho e não pertenço a nada. E nunca houve tragédia maior no sofrimento humano, coisa que tu, simplória de alma, nunca há de conhecer. Pra ti e para o mundo foi divertido, derrocarem uma alma que poderia amar. Talvez seja este teu medo maior. Foi minha ruína. E agora andas a sorrir, como se o esboço de um sorriso patético e compassivo devolvesse a mim o direito que tu e teu mundo me tolheram. Odeio a quem mais amo. Que delírio indecifrável. Com teus olhos dizes, o ódio será a sua herança. Teu olhar reprovador lega-me o direito existencial da infelicidade, legitima minha degradação cada dia mais indisfarçável, o fracasso de viver em movimento que tu criaste com esmero único.

E quando pouso os olhos no exterior da janela, em ímpeto irracional, me acompanha o Adágio, resoluto. A luz solar incide em meus olhos e crispo, caio em dor. A luz do dia nega-me a memória, tudo que ainda resta. O Adágio é irreversível como a vida, e inevitável. Fecho as cortinas. Não mais existe exterior em mim. O Adágio é a interiorização da dor. Não existo. Sou um fantasma entorpecido, paralítico. Sádico em persistir num abrir e fechar de olhos despropositado e incapacitado. Sou o lamento de tudo o que poderia ser se não fosse o que sou. Intrínseco. Eu sou a tragédia desumana. Eu sou o Adágio.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O Erotismo Exótico da Musa de Sternberg

Marlene Dietrich não era deste planeta. Era uma Deusa do Olimpo, uma Deusa das Sombras que caiu nos encantos de um mago da ilusão do século XX (o cinema), Josef von Sternberg. Juntos, eles criariam algumas das imagens mais gloriosas da sétima arte, em sete obras que filmaram. Blonde Venus, ou A Vênus Loira em português, foi uma delas.

1932. Marlene Dietrich brilhava no star system hollywoodiano como nenhuma outra estrela. Descoberta por Sternberg, ela filmara o clássico O Anjo Azul em 1930, na Alemanha, e assinara um contrato com a Paramount nos Estados Unidos. Na terra de Tio Sam, aliada ao mago Sternberg, ela emprestou sua divindade para os filmes Marrocos, Desonrada e O Expresso de Shanghai. Na hora de filmar o quarto filme, o script escolhido foi A Vênus Loira.

A Vênus Loira está longe de ser, enquanto obra de arte, uma das melhores colaborações de Dietrich & Sternberg. Mas nem por isto é uma das menos interessantes. 

Marlene Dietrich divide a telona com Herbert Marshall e com um então novato Cary Grant (Cary, segundo Maria Riva, filha da atriz, em sua biografia Marlene Dietrich, vendia camisas nos sets de filmagem para conseguir uma "grana extra"). Ela vive Helen Faraday, uma cantora de cabaré na Alemanha, que conhece Ned (Marshall) e se muda para os Estados Unidos. Casada e com um filho, um drama instaura-se em sua vida: seu marido, um químico, foi contaminado com Radium e necessita de um caro tratamento médico na Alemanha para ser curado. Helen decide retornar aos palcos para ajudar nas despesas de casa, quando conhece o milionário Nick Townsend (Grant), a quem ela se "prostitui" para conseguir a quantia necessária para o tratamento de Ned.

Dietrich, sendo uma das primeiras "femme fattale" do cinema norte-americano, estava habituada a protagonizar filmes onde sua personagem tinha certo "caráter duvidoso". Em A Vênus Loira, o tema "prostituição" surge logo em suas cenas iniciais, quando Marlene nada nua em um rio da Alemanha. Herbert Marshall se aproxima e pergunta se ela poderia "sair" com ele depois de seu número no teatro, ao que ela responde negativamente, afirmando que não fazia este tipo de coisa. É assentada a temática para o desenrolar da trama. Depois desta cena, Josef von Sternberg enche a nossa tela com a água do rio, agora vazio, sem o corpo da ninfa Dietrich, para abrir um novo plano também aquoso: a banheira do filho de Helen. Já casada, descobrimos o que aconteceu com a ninfa do lago: virou mamãe, dona-de-casa e esposa respeitável de Herbert Marshall. A noite após o encontro dos dois no lago é contada de forma interessante. Sternberg, para nos dizer "o que aconteceu", usa o filho curioso do casal. Johnny pergunta a papai e mamãe o que os dois fizeram depois do encontro no lago. De forma romantizada, eles contam que "se beijaram" em uma árvore e depois se casaram. É a estória de ninar favorita do garoto, que assumirá tom importante no final da trama.

Helen Faraday agora é Helen Jones, a nova atração de um "nightclub" local. Sua noite de estréia não poderia ser menos do que espetacular. Um grupo de coristas, vestidas para um ritual de alguma tribo africana, entram no palco à batida de um tambor. Um gorila acorrentado acompanha as garotas. Começa um dos maiores momentos da Deusa Dietrich no cinema. Marlene era uma estrela diferente. Ela não era apenas desejável e glamurosa, uma aula de classe em movimento; ela era também o ambíguo, o exótico, o misterioso, o andrógino. Com uma intocável mística, ela seduziu as audiências de 1930 ao adentrar o palco do cabaré de Marrocos vestida em terno e cartola, terminando sua canção com um inesperado beijo na boca de uma das moças da platéia. Em A Vênus Loira, Dietrich nos fascina novamente ao invocar a força e a virilidade de um King Kong africano. Quando ela sobe ao palco, causando espanto em alguns membros da platéia que se perguntam se o gorila é mesmo "real", Sternberg nos seduz com sua revelação: o gorila, agora em quadro inteiro, tira uma de suas "mãos" revelando uma nova mão, branca, pálida, delicada. A outra mão é revelada e então a cabeça... Marlene Dietrich enfim se revela! Livrando-se da carcaça do gorila, ela emerge triunfante e completa o "look" com uma peruca "afro" loira. Começa sua performance de Hot Voodoo. Sternberg filma Dietrich em contra-plongeé e somos inferiorizados perante à postura soberana da Rainha Loura Africana. A canção termina com o verso: "Eu quero ser má!". Dietrich dá o seu recado. Ser pura e casta não faz parte do seu plano cinematográfico. Trocando em miúdos, ela não é Doris Day.

No backstage ela conhece Nick (Grant), cuja reputação de "pagar por favores" já lhe era conhecida. Depois de prestar os tais favores solicitados por Cary Grant, Dietrich chega em seu lar-doce-lar com um gordo cheque para despachar Herbert Marshall para a Alemanha. Ela obviamente mente sobre a origem do dinheiro. Diz que pediu adiantamento na boate. Com Marshall fora de cena, assistimos a um monótono segmento de cenas ilustrativas do "romance" de Grant e Dietrich. Os dois numa lancha, indo andar de cavalo, conversando na casa de Grant. Marshall enfim volta aos Estados Unidos e encontra sua casa vazia, com o telegrama que avisava seu retorno antecipado ainda selado. Onde estaria Dietrich e a criança? Coincidentemente, ela aparece em cena no mesmo momento, trajando um elegante e extravagante casaco de pele. Confrontada pelo marido, ela conta como obteve o dinheiro. Ned, ao invés de reconhecer a grandeza do ato de Helen, que feriu seus princípios e o próprio casamento para salvá-lo, enfurece-se. É importante ressaltar que o "romance" pós-ida de Ned à Alemanha de Helen e Nick não se concretizou de fato; Helen permaneceu como esposa fiel, com o coração dividido, mas reconhecendo que "devia" assumir seu compromisso e responsabilidade enquanto esposa e mãe. Herbert Marshall, com a cólera machista de um leading man dos anos 30, não quer saber de explicações: ele pergunta quanto a deve pela sua vida e exige que o filho retorne para sua guarda, afinal, só assim ele seria "bem criado". Sternberg nos releva um Marshall perigoso e cruel pela primeira vez, ao presentear-nos com um close-up em que as sombras encobrem seus olhos, e então temos certeza da seriedade de sua sentença.

Helen foge com o filho pelo país e é procurada pela polícia. Ned tenta alcançá-la seguindo pistas no caminho. Para sobreviverem, Helen canta em cabarés onde quer que se hospedem, mas quando seu rosto torna-se capa dos jornais de quase todo o país, ela é obrigada a desistir a arriscar ser reconhecida e perder o filho. Vai trabalhar em uma fazenda, onde encontramos uma surpresa agradável: Hattie McDaniel, a eterna "Mammie" de E o Vento Levou, ainda não consagrada, fazendo uma ponta como empregada. Um homem segue Dietrich, Hattie conta, e Dietrich vai ao seu encontro. Na segunda sequência mais memorável de A Vênus Loira, Marlene Dietrich desce ao encontro do homem em meio a galinhas e outras aves. Em outro ponto desta sequência, uma delas pousará sob seu ombro, como lhe afirmando sua afinidade e identidade com tais seres, ou seja, seu caráter extra-humano e quase animal. Como o gorila que afirma a soberanidade e virilidade, aspectos da persona de Marlene nas telonas, as aves assumem uma representação do seu espírito livre e do seu exotismo.

Dietrich consegue a atenção do policial disfarçado recostando-se em um muro, onde Josef von Sternberg captura com perfeição o rosto parcialmente em sombras, misterioso e belo da Vênus Loira. Os dois vão para um bar conversar, ironicamente sobre a "fugitiva" com o filho, a qual o policial não reconhece ser Dietrich. Uma desculpa do roteiro para Sternberg nos extasiar com close-ups inacreditáveis, quase absurdos, deste ser que não pode ter sido um de nós. Terminada a conversa, Dietrich revela sua identidade: ela é Helen Jones. E diz ainda que poderia continuar fugindo com o filho que não a alcançariam, mas que ela estava o entregando pelo bem dele, porque não era uma mulher "boa". Aqui Dietrich, certamente por intervenção dos censores, satisfaz o desejo dos puritanos da América: a mulher adúltera não pode vencer. E ser feliz? Nem pensar.

Ned chega à fazenda para apanhar o garoto e Sternberg nos exibe uma Dietrich resignada, de cabeça abaixada, humilhada. Não vemos mais seus olhos, cobertos pelo chapéu, apenas sua boca se mover, confirmando sua posição subhumana como mulher adúltera. Ned termina seu discurso ingrato dando-lhe um envelope com o valor que salvou a sua vida e exigindo que nunca mais procure seu filho. É melhor para ele esquecer a mãe, disse Ned.

A parte final de Vênus é um tanto quanto previsível considerando as circunstâncias e as facilidades/pobreza do roteiro. Helen Jones primeiro chega ao "fundo do poço", é exibida na tela com sua roupa desgastada, bêbada, lamentando o resultado falho de seu ato heróico. Depois, vemos ela como um grande sucesso internacional. Seu nome brilhante em neon na América do Sul e na Europa. Coincidentemente, Nick, em Paris, resolve ir assistí-la. Conversando sobre Helen com um amigo, descobre que ela é um "iceberg" como mulher, usando homem depois de homem como trampolim para o seu sucesso europeu. Subentende-se nisto, em um julgamento moral pobre, que Helen não pode ser feliz e, em psicologia barata e popular, que age deste modo pela perda do filho e do marido. O show de Dietrich começa e ela aparece em traje masculino à lá Marrocos, mas branco. Antes de cantar, acaricia o rosto de uma das coristas, reafirmando sua sexualidade ambígua. Destaque para a pobreza das canções de Marlene neste filme. Outras ruins estavam por vir, e competiriam com os inesquecíveis versos da apresentada neste momento no filme: "Se todos tivessem a cabeça no lugar/Ou se trocassem os pés pelas mãos/Ainda iria comer biscoitos na cama/O que eu iria perder?/Tomando sopa com um garfo/Ou se os bebês trouxessem as cegonhas/Acha que eu me importaria?/Eu ainda falaria/Não vou me aborrecer". Certamente, em nada invejariam Cole Porter.

Nick vai ao backstage e no espelho temos mais uma prova da infelicidade de Dietrich, em termos óbvios para a explicação barata de seu comportamento já supracitada. "Não se importa se vai ao inferno ou ao topo, viaja mais rápido quem viaja sozinho", lê-se no espelho. Nick conta que vai para a América para uma Helen desinteressada que diz nada ter a fazer na América, considerando que não pode ver seu filho. Na próxima cena, Helen não só já está na América, noiva de Nick, mas também na porta de seu antigo apartamento, onde moram Johnny e Ned. Ela entra para ver o filho após Nick conversar com Ned. Aquele deixa o apartamento e vemos um Ned abandonando a fúria no olhar, ao ver a mulher glamourosa em sua sala de estar apanhando bacias e objetos para banhar o filhinho. Depois do banho, o menino quer sua história de ninar. Aquela sobre quando mamãe e papai se conheceram. Receosos, o casal separado não quer contar a história. Contam cortando em certas partes. O menino fica frustrado e diz que não estão contando direito. Eles resolvem, então, contar a história inteira. E quando vemos, Marlene Dietrich já correu para os braços de Herbert Marshall. "Você pertence aqui", ele diz. The End! E o código Hays triunfa! Marlene vive feliz para sempre porque larga seu amor jovem, bonito, e milionário, Cary Grant, para voltar a ser dona-de-casa, mãe de família e esposa de Herbert Marshall. Enfim.

Um bem-sucedido veículo para Dietrich se tornou A Vênus Loira ao longo dos anós, apesar de ter bombado no box office na época de seu lançamento. Embora com um roteiro pobre, reafirma o mito de estrela misteriosa e exótica. Erótico do início ao fim, nele Marlene é o epicentro da pulsão sexual de todos os homens do filme. Neste filme, sexo é o problema e a razão. O que não poderia ser diferente quando se tem uma Deusa como Estrela. Todos a querem. Em especial a câmera de Sternberg, que registrou todo esse desejo por Marlene para que continuemos, através das décadas, desejando-na e adorando-na em sua imortalidade de celulóide.