sábado, 16 de agosto de 2008

Madonna e o Fascínio da Imagem

“Os grandes artistas populares são alquimistas. Eles pegam materiais básicos – uma piada tola, uma estória banal, uma letra trivial – e transmutam-nos em ouro. Seus imitadores – os que se encontram abaixo da grandeza – são conjuradores: seus dons são postos ao serviço da ilusão. Com astúcia eles conseguem, ocasionalmente, nos persuadir de que aprimoraram o truque; mas é apenas isto – um truque – e o ouro que produzem não passa de uma imitação barata.” – Christopher Finch, “Rainbow: The Stormy Life of Judy Garland”.

Certamente quem acompanha as notícias do mundo do entretenimento está a par das comemorações dos 50 anos de Madonna e Michael Jackson. É evidente, no entanto, o intenso favoritismo da mídia a tal chamada Rainha do Pop. Em artigos recheados de cinismo e deboche, os auto-intitulados "jornalistas" desfilam parágrafos de oferendas àquela que, só Deus sabe onde, supostamente recheou nosso mundo com uma avalanche de criatividade e genialidade. Jackson, é claro, é citado como o que "perdeu o rumo" ou "enlouqueceu" (tais "adjetivos" apenas nos artigos dos "jornalistas" mais educados, obviamente).

Como o dono deste blog prefere a sinceridade ao contrário da arrogância infantilizada dos tais fãs da Madonna, revelo: não gosto de Madonna, por inúmeras razões. Entre elas, a desta endeusação insana do nada. Esquecemos mitos como Judy Garland, mas idolatramos o tão-chamado "talento" de Madonna. Que Deus nos perdoe!

Entretanto, não causa estranhamento tamanha efusão por conta dos 50 anos de Madonna. Ela está no mercado com um novo álbum, novos clipes e uma turnê mundial a iniciar. Considerando sua inquestionável aura mítica na cultura pop, era de se esperar que todos os meios de comunicação cabíveis se saturassem de homenagens. Mas curiosamente, há sempre um ponto em comum nas tais homenagens: a comparação com Michael Jackson, citando este de forma pejorativa, especialmente por estar inativo.

Pergunto: Que grande mérito há em Madonna ter atualmente um disco nas paradas mundiais? Sendo ela uma megastar acompanhada de uma grande estrutura de marketing, patético seria se tal feito não fosse conquistado. Ainda mais se tendo nomes como Justin Timberlake e Timbaland no disco. O sucesso então é uma prova do talento de Madonna (?) ou apenas de seu timing e noção de mercado, em convidar nomes quentes do momento pra garantir sua posição nos charts? O novo álbum de Madonna, como todos seus outros, nada tem de grandioso e inovador. Ao contrário de muitos, não me espanto com a mudança do estilo dance para o R&B/Hip Hop, apesar de tal mudança ser uma óbvia tentativa de conectar-se com o público adolescente americano, não entusiasta da techno-music. Madonna nunca teve uma identidade musical forte e tampouco contribuiu para a música, ao contrário de Michael Jackson, sempre lançando o que quer que estivesse em voga. Prova disso é a qualidade nostálgica de todos seus álbuns, que podem ser tidos como retratos da música pop mainstream do passado, enquanto Off The Wall de Jackson, por exemplo, continua sendo referência aos popstars do momento quase 30 anos depois de seu lançamento.

É curioso também o sucesso de Madonna ser sempre atribuído ao presente, como se a qualidade de seu trabalho ou o interesse no mesmo fosse a motivação-mor do sucesso que ela geralmente obtém. Não é! Madonna, assim como qualquer um que tenha sido fenômeno em algum ponto de sua carreira (e há validade nisso desde Michael Jackson à Xuxa), terá uma enorme probabilidade de obter êxito nos projetos que realiza por ter conquistado um público fiel, em especial se tais projetos forem comercialmente viáveis (como seus hits para adolescentes).

Comercialmente e, mais importante, artisticamente, é interessante observarmos a trajetória de Madonna e compararmos em justiça com a de Michael Jackson, já que tal comparação, absurda até em Plutão, parece ser a favorita dos anti-Jackson.

Quando Madonna começou a estourar, em 1984, Michael Jackson já tinha consolidado Thriller como o álbum mais vendido de todos os tempos. Enquanto Jackson nos brindava com clássicos da música como Billie Jean e apresentava o seu moonwalk, Madonna esganiçava Like a Virgin e rolava pelo chão do Video Music Awards da MTV (premiação esta que só existiu pelas obras pioneiras de Jackson em videoclipe, que popularizaram o formato), demonstrando efusivamente o seu grande talento artístico.

No final dos anos 80, Jackson lançava seu home-video The Legend Continues, que trazia depoimentos de lendas como Elizabeth Taylor, Katharine Hepburn, Gene Kelly e Sophia Loren sobre o talento de Michael Jackson. O coreógrafo de Fred Astaire, que trabalhou com o mesmo desde seus primeiros musicais na RKO, admitiu: "não comparem Michael Jackson com Astaire ou Kelly pois ele é um dançarino com seu próprio mérito e com seu próprio estilo". Pouco antes de morrer, Fred Astaire diria sobre Jackson: "Obrigado Michael! Não queria deixar este mundo sem saber quem meu sucessor seria!" Pouco depois, Madonna estaria nas manchetes por simular sexo no show Blond Ambition e lançaria seu documentário Na Cama Com Madonna, um monumento da egocentria em filme.

Michael Jackson retornaria em 91, com seu vídeo Black Or White exibido simultaneamente em 27 países para uma audiência de 500 milhões de pessoas, recorde absoluto de audiência para um videoclipe. Jackson ainda tornaria Dangerous o álbum mais vendido de 1992, com mais de 16 milhões de cópias no ano e ganharia o prêmio de Lenda Viva no Grammy. Madonna amargaria o fracasso de seu projeto "ambição sexual-revolucionária", consistindo no livro Sex, filme Corpo em Evidência e álbum Erotica. Este rolaria abaixo nos charts com pouco mais de 5 milhões de cópias vendidas, mesmo com uma turnê mundial para apoiá-lo.

Pelo resto dos anos 90, Michael Jackson ainda teria êxito comercial com HIStory e Blood On The Dance Floor, álbum duplo e álbum de remixes mais vendidos de todos os tempos, respectivamente. Nos anos 2000, Michael teria um álbum de inéditas sabotado pela Sony Music, seria ridicularizado pela imprensa e julgado por uma acusação de abuso sexual de um menor. Madonna, como gostam de enfatizar seus seguidores, lançaria vários discos e emplacaria alguns sucessos (nenhum de relevância como os do início de sua carreira, no entanto).

O ponto óbvio, cego aos olhos dos fãs da material girl, é a delimitação clara entre arte e entretenimento. Madonna é, como li um crítico musical dizer certa vez, um ato de cabaré que deu certo. Ela entrou na onda do megamarketing (iniciada com o fenômeno de Thriller) e transformou-se em uma das maiores estrelas do nosso tempo, abusando da publicidade pessoal e flertando com temas polêmicas como religião e sexualidade. Embora seus concertos possam ser bem-trabalhados e até mesmo interessantes como entretenimento, são sofisticados deste modo justamente para compensar a absoluta falta de talento de Madonna como uma autêntica performer e até mesmo como artista, na extrema semântica do termo.

O astucioso jogo de publicidade de Madonna com atitudes esdrúxulas (como beijar Britney Spears, por exemplo), que causam tanta polêmica vazia em nossa sociedade moralista, é o ponto-base do fascínio que sua imagem exerce. Seus fãs tomam tais atitudes como grande exemplo de “coragem” (vale lembrar que, na ocasião do beijo com Britney Spears, no Vídeo Music Awards, seu álbum American Life fracassava nos Estados Unidos) de uma mulher “emancipada”. Madonna, desta forma, se torna mito, e não por conta de algum talento extraordinário que possua.

Michael Jackson e Madonna. A única coisa que ambos têm em comum, além de terem nascido no mesmo ano, é a conquista do status de ícones mundiais durante os anos 80 e as vendagens absurdas de centenas de milhões de discos. Enquanto Michael Jackson pertence à mesma categoria de Astaire, Gene Kelly, Sinatra, fascinando a todos com sua supra-genialidade para o canto e a dança, Madonna é uma mera empresária calculando suas próximas jogadas de marketing para conquistar mais adolescentes ávidos por um ídolo pseudo-revolucionário.

Neste sentido, é de nula importância o fato de Jackson não ter um disco de inéditas em sete anos. O universo artístico foi tão fundamentalmente transformado por seu talento que ele pode dar-se ao luxo de dar o ar da graça de década em década, se for sua vontade. Seu clássico Wanna Be Startin’ Something é a base para um dos maiores hits do ano, Please Don’t Stop The Music da popstar Rihanna. O relançamento de Thriller, com um modesto single remixado lançado para as rádios, estreou como o disco mais vendido no mundo no começo do ano e, segundo estatísticas, alcançará até o final de 2008 as 3 milhões de cópias. Vale citar que Hard Candy, novo disco de Madonna altamente promovido, está perto da mesma marca.

Aplaudemos Madonna, entretanto! Hoje é seu 50º aniversário e, sejamos sinceros, são poucos os que conseguem um feito extraordinário como o seu: convencer todo o mundo, por mais de 20 anos, que é uma artista brilhante, revolucionária e genial ao patamar de Jackson, travestindo com excelência polêmicas baratas em pioneirismo artístico. Por estas e outras, congratulations Queen of Pop!

3 comentários:

Nathaly Brenner disse...

É... digamos que você colocou a Madonna em uma perspectiva totalmente nova pra mim! Muito bom teu texto, assim como tudo o que você escreve!

Abraço!
Nathyka

Unknown disse...

E o pior é que, nas poucas vezes em que ouvi uma entrevista de Madonna, ela nem me pareceu uma pessoa inteligente o bastante para saber se promover tanto. Pelo contrário, ela me parece uma pessoa bem comum e desinteressante. Acho que gente como ela e, agora também, Britney nos mostram que é possível estar na mídia por anos sem ter talento e nem alguma habilidade estratégica. Na era dos reality shows, você só precisa deixar a sua vida se tornar uma novela interessante e simplesmente continuar aparecendo, não tirá-la do ar.
Beijos
Andrea

Alana disse...

Apesar de não concordar com tudo o q o texto diz, e achar essa comparação Madonna-Jackson simplesmente ridicula, alimentada pelo ego dos fãs de ambos, gostei de encontrar um texto q mostre um otro lado da realidade..Madonna para mim é ótima, mas Mike, mesmo com esses problemas de popularidade está fazando sucesso sim, e os números não mentem, pode não estar bombando na mídia mas ainda assim mostra q é querido e muito admirado!!!!!
Madonna tem o q Mike muitas vezes não possiu e vice versa, são exemplos a serem seguidos, tornaram-se ícones e são admiráveis cada um a sua maneira.