quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Nouvelle Vague das Nove da Noite

Nada tem sentido. Se eu fosse Truffaut ou Godard nos idos de 59, 60, seria esta minha frase de abertura, em "off", numa tarde que nevasse, glorificando a cinematografia preto-e-branca. Paris que neva em 60. Eu então tusso e não há nada de regular nisto. Há algo em mim que quer morrer, só isso. Eu compreendo os desejos do meu corpo.

Eu não gosto de sair porque eu odeio gente. Odeio os narigões inquiridores, os risos hermeticamente debochados e aqueles olhos tão mercuriosamente vivazes! Porque dois olhos numa cara? E eu agradeço a invenção dos óculos escuros, minha salvação moral e pessoal. Ah, tudo escuro é tão mais bonito! A vida deveria ser um film-noir do Bogart com roteiro do Frank Capra. E assim estaria salva a humanidade! Pronto, tossi novamente.

Outro dia entrou um bicho estranho no meu quarto e eu não o matei. Tá, eu quis matar e quase o fiz até me dar conta da minha Crueldade majestosa perante o inocente bichinho. E então eu soube que eu era o mais detestável dos humanos da terra! Nem humano era, na verdade. Era uma espécie de Hitler dos insetos, usando o chinelo como câmara de gás. Que horror! E as lágrimas ameaçavam brotar, como em final de filme do Douglas Sirk. Eu, em minha compaixão absoluta, empurrava bruscamente o bichinho com a ponta do chinelo para fora do quarto, sala, cozinha e enfim para a rua. O processo foi lento dado o fato de que eu não queria causar danos à estrutura física do coitadinho, tampouco matá-lo acidentalmente, como também não queria, de modo algum, sentí-lo em minha epiderme. Deste modo, o pequenino inseto foi encaminhado, aparentemente com vida, para o corredor chuvoso. Não me preocupei em certificar-me se o bichinho havia encontrado sua família - teria ele uma família? - ou se sobreviveria o frio da noite chuvosa. Teria ele morrido? Eu haveria prolongado seu sofrimento? Como eu haveria de viver com este fardo? O bichinho e eu somos um, unos em solidão. E lá vem mais uma tossida.

Eu acho que não tenho nada de importante a dizer. Pra quê registrar tudo isso? É tudo besteira, é tudo inútil, tudo é lixo lixo lixo, as folhas amassadas e rasgadas, o salário do mês e as estrelas milenares. Eu quero um "jump cut" que me leve do nascimento à morte sem o aborrecimento de viver. Será que eu sou "nouvelle vague"?