quarta-feira, 30 de julho de 2008

Jimmy Dean: O "American Rebel"


"É tão estranho. Os bons morrem jovens. Assim parece ser, quando me lembro de você que acabou indo embora, cedo demais..."
Renato Russo, "Love In The Afternoon"


Conheci James Dean em dezembro de 2002, quando uma homenagem na TV à cabo apresentou seus três únicos filmes. Naquela época, tinha já flertado com as comédias de Marilyn Monroe, e era tudo o que conhecia então da chamada "era de ouro" de Hollywood.

Minha identificação com o ídolo não foi imediata. Foram necessários alguns anos, sim, os cruciais anos do "high school", tão bem representados pela sua on-screen persona, para que Jimmy se tornasse um dos meus ídolos totais. Em certa época, "Juventude Transviada" rodava todas as sextas-feiras à noite no meu videocassete. Era como se, depois de enfrentado todos os fantasmas da semana, encontrasse afinal um amigo. O Jimmy angustiado, barulhento, rebelde. Nem criança, nem adulto.

Nas últimas semanas, mergulhei no universo de Fairmont, Indiana, depois Los Angeles, Nova York - e novamente Los Angeles - durante os anos de 1931-1955, na biografia clássica de Jim, "The Mutant King", escrita por David Dalton.

A impressão é de que nada havia que o menino prodígio não pudesse fazer. Morando em Fairmont com seus tios desde a morte da mãe, o pequeno Jimmy Dean era o maior esportista da escola e, ao mesmo tempo, o maior talento em artes dramáticas. Ambicioso, muda para LA para estudar artes cênicas, mas logo larga o curso e vai tentar a sorte em Nova York. Depois de uma aclamada performance em "The Immoralist" na Broadway, Jimmy conhece aquele que todos os aspirantes a ator de cinema nos anos 50 gostariam de conhecer: Elia Kazan.

Elia Kazan era o cineasta de filmes polêmicos e inovadores que havia levado Marlon Brando ao estrelato mundial com "Uma Rua Chamada Pecado". Jimmy - disputando com o então novato Paul Newman - logo ganha o papel de Cal Trask, na versão cinematográfica para a obra de John Steinbeck, "East Of Eden", intitulado no Brasil como "Vidas Amargas".

Começa aqui a construção do mito-ídolo-ícone James Dean. Ele interpreta o filho problemático que não recebe amor do pai. Amargo, Cal/Jimmy faz negócios para recuperar o dinheiro perdido pelo pai em uma empreitada fracassada, na tentativa de obter seu reconhecimento e afeto. Chegado o aniversário do pai, Cal entrega o dinheiro a ele, e o que se segue é uma das seqüências mais brilhantes da genialidade de Dean como ator. O clímax da obra: o pai, ofendido, recusa-se a aceitar o dinheiro. Jimmy ardorosamente o abraça e sai de casa num misto de grito e choro, tombando com a mesa. Sua performance lhe renderia uma indicação póstuma ao Academy Award.

Entretanto, é em seu próximo filme que James Dean assumirá sua persona mítica, em calças jeans e jaqueta vermelha.

"Juventude Transviada"
, do diretor Nicholas Ray, tornar-se-ia o retrato mais fiel dos adolescentes americanos nos anos 50. A geração do pós-guerra, em incessante revolta contra o mundo, construindo sua própria sociedade alienada, disputando rachas e praticando crimes. Longe dos jovens retratados em filmes familiares dos anos 30, como a série "Andy Hardy".

Jimmy, nesse filme, paradoxalmente interpreta um personagem também chamado James: no filme, ele leva o apelido de 'Jim'. Jim Stark. Jim Stark é um garoto que só se envolve em problemas e ninguém sabe o porquê. Novo na cidade, ele irá freqüentar a Dawson High, onde irá conhecer os seus co-leaders na trama, Judy (Natalie Wood) e Platão (Sal Mineo). Dois personagens estigmatizados, Judy é a garota que se envolve com rapazes da gangue barra-pesada para atrair a atenção de seu pai; Platão aparece na seqüência inicial do filme, na delegacia, por ter atirado em cachorros filhotes, quando descobrimos que sua mãe viajou em seu aniversário e que seu pai, aparentemente, não o vê há anos - e nem demonstra interesse em tal. Platão, ao vislumbrar Jimmy, identifica aquele que talvez possa suprimir sua carência paternal.

Passemos à seqüência do planetário. Talvez subliminarmente, uma passagem de fato interessante acontece quando Jimmy chega ao planetário. Ao entrar em cena, o professor acaba de dizer a seguinte frase: "Por muitos dias antes do fim de nosso planeta, as pessoas olharão o céu à noite e perceberão uma estrela, crescendo em brilho e aproximação". Para um filme repleto de simbologias, esta certamente é bastante curiosa.

Jimmy irá mais tarde participar de um racha, em que seu inimigo acabará morrendo. Decidido a prestar depoimento na polícia, Jimmy confronta seus pais que, apesar de terem lhe educado a sempre "contar a verdade", acham que este não é o momento apropriado para aplicar tal ensinamento. Não é "conveniente". Jimmy, indignado, parte para cima do pai e foge de casa, encontrando Judy no caminho.

Bom, vou poupar o final da história para futuros espectadores desta grande obra de Nicholas Ray. Obra esta que Jimmy nunca viu lançada.

James Dean estava oficialmente morto quatro dias antes da estréia nacional de "Juventude Transviada" nos Estados Unidos, vítima de um acidente de carro.

O fenômeno que se seguiu foi tido por alguns como extraordinário, único e até incompreensível. Jimmy já era astro pelo belíssimo "Vidas Amargas", mas foi em "Juventude Transviada" que ele, em Cinemascope e Warnercolor, tornou-se o mártir multimídia de uma geração inteira.

James Dean tornou-se um fenômeno mundial único. Ele era a voz da juventude, mas estava morto. Para alguns, isto foi intolerável. Na Alemanha, duas garotas cometeram suicídio um ano depois da morte de Jimmy, dizendo que a vida sem ele era "insuportável". Mais de 3.000 pessoas participaram da cerimônia em homenagem ao primeiro ano de sua morte, na cidadezinha de Fairmount. Até hoje, todos os anos em Fairmount é realizado um evento em homenagem ao superastro.

Muito foi debatido na época de sua morte sobre o porquê Jimmy Dean tinha um impacto tão grande entre os jovens, e até mesmo adultos. James Dean foi simplesmente o único ator a retratar com hipersensibilidade todos os conflitos e tormentos que se operam na tortuosa fase da adolescência. Ele disse na tela tudo o que os adolescentes queriam dizer a seus pais, e não conseguiam. Com tamanha identificação emocional, tornou-se instantaneamente um ícone na moda. Mais tarde, teria extrema importância no movimento do rock-n-roll, donde surgiriam os novos ídolos da juventude. Com a morte de James Dean, o cinema, que já enfrentava problemas com seus astros e estrelas envelhecendo, teria nele seu último grande astro do "star system".

Sua imagem já rodou os quatro cantos do mundo e é tão conhecida quanto a de Mickey Mouse, mas a mensagem de Jimmy é seu verdadeiro legado. A legitimidade desta é atestada quando outras gerações - como a do escritor que vos fala - se identificam e são tocadas por ela.

Jimmy Dean, em seu rosto de menino perdido, tocou a minha vida e fez - faz - parte da minha história. E de muitos outros ainda fará, por quantos anos-luz seu inesquecível "You're tearing me apart!" fazer esboçarmos um sorriso de "é isso mesmo, Jimmy, sabemos como você se sente!"