quarta-feira, 11 de março de 2009

Ando Escutando Renato Russo

"Tem gente enganando a gente
Veja a nossa vida como está
Mas eu sei que um dia a gente aprende
Se você quiser alguém em quem confiar...
Confie em si mesmo."

'Mais Uma Vez'
- Renato Russo

Agora, não há satisfação nas mentiras engendradas no café da manhã. Aquelas bem articuladas pela auto-persuasão da mente ainda em sono que, a bem ou não, motivam o existir do resto da semana. Confiar é uma palavra peculiar. Na verdade, um verbo interessante. Eu confio, tu confias, ele confia. Tão leve e fácil soa assim, conjugada feito 1 + 1. Há quem julgue os sentimentos humanos assim, 1 + 1, resultado 2. E não que eu me diga particularmente humano, idiossincracias à parte, o que me motiva aqui talvez seja o excesso ou a completa falta de sinceridade. E o que importa numa distinção precisa quando o fato-mor já foi concretizado? Ou não? Seria este o fato-mor? Não percamos nosso tempo com definições por demais burocráticas! O que importa é que aprendi, pelo mal, a não fazer uso do verbo supracitado. E antes que este textículo em tom "manifesto" pretenda suavizações piegas, que eu diga que a melancolia advinda do descobrimento fica para mim e para mim só. O que eu tenho de valioso a ensinar aos jovens leitores, ainda na aurora de suas vidas, é a não demonstrarem tudo o que eu, por pureza idealista, exibi por tantos anos. Escondam seus olhos para aquilo que não desejam que conheçam! Simples assim! Quem sabe deste modo, quando a cólera lhes acometer, vocês não precisem insistir na nobreza e no valor dos seus sentimentos. Talvez vocês evitem, desta maneira, o desprazer magnânimo da explicação de seus corações e, mais torpe ainda, da minimização de vossos sofrimentos por quem mais estimastes. E quem sabe ainda, no advir da própria traição, evitem que lhe peçam permissão à felicidade que tu tanto ansiou, por tanto tempo, como só tu sabes. Há mal essencial maior do que este? Quando se conhece de antemão as fragilidades da alma? E a vergonha maior no final será pensar: Eu tentei. Para findar no nada. Mais uma vez.

terça-feira, 10 de março de 2009

Enfim, Justiça

Quem adivinharia, há duas semanas atrás, a reviravolta brutal que a trajetória mítica de Michael Jackson estaria prestes a sofrer? Quando fãs e espectadores de celebridades em geral acostumavam-se a ver o mega-astro visitando consultórios médicos ou fazendo compras, eis que ele, mais uma vez, surpreende nosso pequeno planeta e retorna às manchetes.

A conferência de imprensa da última quinta-feira assinala um momento histórico na maior carreira que o showbusiness já conheceu. Michael Jackson, o maior performer do século XX, depois de 12 anos sem excursionar o mundo com shows, retornará aos palcos. O mesmo Michael Jackson a quem, semanas atrás, a imprensa declarava estar à beira da morte.

O telão do O2, em Londres, enche-se com imagens de um passado reinado pela glória de um mega-gênio que extasiou os quatro cantos da Terra. A mensagem é clara: ele voltou! A espera enfim termina! Quando, então, Michael Jackson adentra o palco trajado devidamente como Rei do Pop, difícil é conter a sensação puramente surrealista em vê-lo aclamado por uma multidão em êxtase, triunfante, timidamente interrompendo o discurso por conta dos "I love you" dos fãs, como se, de repente, nada tivesse mudado entre este Jackson e o Jackson dos tempos de Dangerous.

O empresário do mega-astro deixa claro: o Rei do Pop retornou para os seus fãs e para terminar com os rumores sobre seu estado de saúde. E a equipe da AEG Live também confirma que Michael se submeteu a todos os exames e apresenta saúde perfeita. Resumindo, a imprensa terá de se ocupar em criar outros rumores a respeito do super-astro a quem declaram "decadente". Decadência invejável a de Mr. Jackson, devemos salientar, onde menos de cinco minutos e meia dúzia de palavras proferidas na press conference de Londres, são o suficiente para catapultá-lo às páginas principais dos jornais e internet, rendem matérias nos noticiários televisivos e especiais em emissoras de rádio. Decadência inventada pela imprensa para suprir a criação freak que fizeram de Michael Jackson, afinal, só em pré-venda, a demanda por ingressos para as apresentações do mega-astro em Londres já é o suficiente para encher 50 vezes a arena do O2, sendo que o cantor confirmou, por ora, apenas 10 shows. Sobre as vendas dos discos, nem precisamos comentar. Basta Michael ser fotografado com máscara de zorro e trajes indianos na rua para seus discos voltarem às paradas. Quem diria então quando, no momento onde ninguém esperava, ele anuncia seu tão aguardado retorno!

E é importante compreender as verdadeiras significações de um retorno de Michael Jackson além da superfície das bobageiras terrenas da mídia em geral (precisa de dinheiro, etc. etc.). Compreender esta reviravolta é entender a mítica e a magia sobrenatural de um gênio que, jogado à lama e crucificado na "opinião" pública, como nenhuma outra celebridade na história da indústria, emerge com a força de seu talento para vingar-se do mundo que o julgava acabado. O teaser exibido na conferência do O2 já dá o tom para as apresentações de Jackson. Ele não voltou para cantar sentado em banquinhos, como muitos queriam, ou para um show meia boca. Ele voltou para ser Michael Jackson, uma força suprema no palco, capaz de levar milhões ao êxtase com sua grande dança e grande música. E quem viveu e acompanhou sua história, fica este sentimento de justiça finalmente feita, a justiça aos olhos do mundo que Michael não recebeu com sua absolvição nas cortes, mas que receberá no triunfo do que promete ser o maior retorno da história da música.

Será épico observar Michael Jackson, contra tudo o que lhe fizeram, sentar no topo do mundo novamente e, como um Deus do Olimpo, rir de nossa ignorância mundana, da perspectiva daqueles que acreditavam que podiam romper com seu espírito supremo. Quem viver, verá!

domingo, 1 de março de 2009

As Máscaras de Dietrich

Enfim termina minha jornada Dietrichiana pelas 800 páginas da biografia de Maria Riva. Segundo ela, filha do mito, a mãe era controladora, egoísta, possessiva e neurótica. Claro que, à moda Christina Crawford, os relatos post mortem sobre abusos emocionais de divas do cinema tornam-se previsíveis, mas difícil é simpatizar-se com Riva que posa de vítima desde o dia que nasceu. Chega até a reclamar de quando, em tempos da tragédia de Lindbergh, ainda criança, era permitida sair de casa apenas com um guarda-costas, graças às cartas com ameaças de morte a ela que a mãe recebeu. Quando ela nos conta então, corriqueiramente, que seu apartamento em Nova York foi comprado pela mãe, e não pelo marido, fica difícil não notar a óbvia traição do relato parcial.

Mas interessante se torna a leitura de uma Marlene Dietrich supostamente decodificada, mas nunca decifrada. Não, Maria Riva não se arrisca em explicações ao comportamento da mãe, uma mulher que, segundo o relato, fazia jus à sua canção-tema Falling In Love Again. Um mito singular e contraditório, transgressora e, aparentemente, racista e machista; uma das almas da Hollywood dos anos 30, império do glamour, mas grande amiga de Hemingway; uma beleza inexplicável que permanecia extasiante ainda aos 70 anos; um ícone da Segunda Guerra Mundial, a mulher que dá as costas ao pedido de Hitler de ser o símbolo do terceiro Reich, que segue as tropas americanas entretendo soldados por toda a Europa. Esta Dietrich também é contada no documentário de Maximilian Schell, Marlene.

E a Marlene Dietrich de Schell é em muitos aspectos a Marlene Dietrich de Riva. Neste documentário de 1984, Maximilian Schell procurava explorar áreas da vida pessoal e carreira da atriz. Marlene, com mais de 80 anos, não coopera com grande fervor. Ranzinza em muitos momentos, ela recusa-se a ser fotografada para o filme, uma óbvia auto-proteção da lenda que criou de si mesma. Afinal, depois de sua última aparição nos cinemas, em 1978, Dietrich nunca mais deu as caras em público. O que assistimos são fotos e imagens de arquivo e dos filmes da atriz, e ao fundo, o som das fitas gravadas da conversa entre diretor e atriz. Protegendo sua própria mítica, ela entra em contradição ao dizer-se desinteressada nos seus filmes do passado e que nunca levou sua carreira a sério. Fala firme e fria, repudiando qualquer aspecto sentimentalista levantado por Schell, tachando-o kitsch e dizendo que é uma "filha de soldado". Quando ele finalmente convence Marlene a assistir cenas antigas de seus filmes para comentá-los, um membro do staff da atriz lhe entrega a seguinte citação de Dante Alighiere: "Não existe maior dor do que as lembranças de felicidades passadas em tempos de miséria".

Inexplicavelmente, Dietrich nega ter tido uma irmã com quem manteve contato por toda a vida, segundo o livro de Riva. E numa das partes mais chocantes, assume tom fortemente preconceituoso contra o Women's Lib, argumentando que, segundo experimentos, o cérebro feminino é "mais leve" do que o cérebro masculino. Certamente, a Dietrich de 80 e poucos anos estava longe daquela que fascinou Hollywood com seu beijo lésbico de Marrocos, em 1930.

Perto do final, as coisas esquentam e Schell decide abandonar o projeto. Uma Dietrich nervosa pragueja: Ninguém nunca me abandonou desta forma antes! Você será o primeiro e o último, tenha certeza! Uma montagem de vídeos da atriz, acelerados, permeia a sequência, como se buscando decifrar o enigma da lenda que atravessou décadas - a resposta pretendida inicialmente no documentário, mas negada pela perspicácia da senhora octogenária que pretende permanecer como mito. Mas na última cena, a fortaleza rui. Schell lê um poema favorito da mãe de Dietrich, sobre morte, amor e arrependimento. As lágrimas são audíveis e a máscara rígida cai. Schell, afinal, nos confunde por não ter revelado em seus 90 minutos quem era a verdadeira Marlene Dietrich. E na dor contida nestas lágrimas, resta-nos apenas a especulação sobre a humanidade velada no mito, a humanidade escondida e maquiada de Dietrich que nós nunca conhecemos.