sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Jane Fonda e a Sempre Simplória em Filme

Certo dia desta semana estava decidido a descansar mais cedo. Mas resolvi ligar a TV. Pra quê? Em minhas ansiosas trocas de canais, deparei-me com Jane Fonda na Warner Channel. Que estaria Jane Fonda, afinal, fazendo na quase-madrugada da Warner Channel? Sem muito esforço recordei-me daquele filme que ela havia feito há uns anos, sua "comeback" depois de um bom tempo fora das telonas... com a Jennifer Lopez.

Infelizmente, nunca tive a oportunidade de assistir a um filme de Jane Fonda - como, em contrapartida, já tive a infelicidade de assistir vários de Jennifer Lopez. Minha simpatia nata com Jane Fonda, além do seu status como grande atriz, vem de suas amizades com Bette Davis e Michael Jackson, além do fato de ser filha de ninguém menos que o lendário Henry Fonda. Motivos o suficiente para despertarem minha curiosidade em assistir o tal A Sogra. Talvez também por benevolência. Assim, quem sabe, até o final do ano contabilizo 4 ou 5 filmes hollywoodianos deste século que me dei ao trabalho de assistir em 2009?

Mas nem se Jane Fonda se unisse a Laurence Olivier ela triunfaria sob a pateticidade do material desta abominação "cinematográfica". Concordo que não se possa esperar grande coisa de um filme que tenha Jennifer Lopez no elenco, mas a presença de Jane Fonda me deu a ingênua esperança da possibilidade de entretenimento decente, talvez até inteligente. Altas expectativas as minhas, não? Com um roteiro de invejar qualquer aspirante a escritor de 12 anos, A Sogra conta a estória clichê de Charlotte (Jennifer Lopez), uma espécie de "temporária" em empregos diversos que conhece o cirurgião Dr. Fields (Michael Vartan), espécie de "homem perfeito", mas terá também que lidar com sua mãe Viola (Jane Fonda), uma madame empenhada em destruir o relacionamento dos dois por não aprovar Jennifer Lopez. E quem pode culpá-la?

Jennifer Lopez faz aqui o seu papel usual como já fez em centenas de seus outros filmes tão comumente exibidos nas Sessões da Tarde da tevê brasileira. Ela é, novamente, uma simplória moça-pobre-coitada-bonita-"na-moda". Ou seja, intragável como sempre. Sua on-screen-persona não diverge da sua imagem de popstar, continuamente empenhada em afirmar que por mais milhões de dólares que ela possa ter, ainda é a "jenny-from-the-block" e uma pessoa real-real-real-real-real-what-you-get-is-what-you-see ad nauseam em suas insípidas canções pop pra pré-adolescentes. Vendo Jennifer Lopez neste filme me fez pensar: como gente assim consegue ter fãs? Madonna, ao menos, ao mudar de fantasia, cor de cabelo e estilo musical a cada dois anos, consegue manter um mínimo interesse entre seus seguidores. Certamente as polêmicas e o passado pouco mais glorioso ajudam muito nesta questão. E o que tem Jennifer Lopez? Ela existe hoje assim como há uma década, quando lançou seu primeiro CD. Sua imagem estupidamente normal, refletida no typecasting de seus filmes, a projetam como uma estrela. E quando uma "estrela" tem look de modelo de outdoor de shopping center, temos um problema cultural. Neste sentido, J.Lo é apenas um produto de marketing de uma era onde estrelas são mortais e a estrela não está mais inserida num universo à parte, intocável e impenetrável. O que agrada o público no consumo de ídolos que poderiam ser seus vizinhos, está além da minha imaginação. Mas quando há multidões que, emocionadas, gritam em êxtase por Big Brothers, só me resta este sentimento de saudade solene de quando Marlene Dietrich era o arquétipo de imagem a qual devoção e histeria poderiam ser atribuídas.

Michael Vartan, namorado de Jennifer Lopez na "trama" parece mais um acessório inserido como "pausa" das cenas em que J.Lo From The Bronx e Jane Fonda se duelam. Até Renato Aragão e Xuxa Meneghel já demonstraram mais química nas telas do que esses dois, perdoem-me a heresia, atores. E o que dizer do final previsível, com direito à "explicação psicológica" sobre as atitudes da personagem de Jane Fonda? Ora, ela só fazia tudo aquilo porque a sogra também havia feito o mesmo com ela! Freud revira-se no caixão! É o que acontece quando cineastas com a profundidade intelectual de um pires põem-se a filmar em Hollywoood! Mas pra dizer que não foi de todo intragável, diverti-me maliciosamente com J.Lo sofrendo nas mãos de Jane Fonda, que certamente só fez esta "obra" de entretenimento barato pelo almighty dollar. Deve ter sentido saudades de quando dividia seu tempo na tela com Katharine Hepburn. Ah, destaque para a indicação de J.Lo pelo filme, como pior atriz de 2006 no Framboesa de Ouro.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Incluam-no Fora: A Vida de Farley Granger..?

Contrariando críticas negativas de consumidores da Amazon.com, adquiri a autobiografia de Farley Granger, "Include Me Out: My Life From Goldwyn To Broadway", lançada em 2007.

Minha espécie de fascinação-identificação com a on-screen persona de Farley Granger começou quando assisti ao hitchcockiano Festim Diabólico. Anos depois, tive a oportunidade de assistir o ator em seus maiores filmes, Pacto Sinistro, também de Hitchcock, Amarga Esperança, de Nicholas Ray, e Senso de Luchino Visconti. 

Mas em nada sua autobiografia relembra o neurótico Philip ou o canalha Franz. Farley Granger não é Philip nem Franz. Ele é um garoto que, depois de atuar em uma peça de teatro em Hollywood, é abordado por um caça-talentos do Sr. Sam Goldwyn, que acabou contratando-no por 7 anos com um salário de 100 dólares por semana.

Começa o "sonho americano" de Farley Granger, que irá estrelar em The North Star e The Purple Heart. Depois, voltando da Segunda Guerra, sua carreira cinematográfica deslanchará com Amarga Esperança de Nick Ray, filme que Hitchcock assistiu e que lhe rendeu o papel em Festim Diabólico.

Quem espera encontrar histórias sobre os bastidores, preparação e relação dos atores com Alfred Hitchcock, esqueça. Farley Granger gasta míseras 9 páginas das 244 do livro para contar sobre os momentos hollywoodianos mais importantes de sua carreira. Afinal, não fosse pelo público espectador destes filmes, Granger nem motivos (e nem contrato) teria para a publicação de uma autobiografia. 

Ele compensa em Senso ao descrever bem sua estadia na Itália, a relação da equipe com Luchino Visconti, seus jantares e intrigas. Poderíamos dizer que boa parte de Include Me Out é destinada a relatar sua longa amizade com a atriz Shelley Winters e aos jantares os quais já participou. Provavelmente nenhuma refeição de sua vida é esquecida. Todas são extensamente relatadas e comentadas ad nauseum. A vida de Farley parece, aliás, um endless banquete à là A Comilança.

Alguns pontos de sua história não são inteiramente esclarecidos. Os pais bebiam e brigavam. Farley sai de casa aos 20 e poucos anos e nunca mais os mesmos são mencionados. E enquanto ele não mantém segredos de sua bissexualidade, relatando, aliás, a noite em que perdeu a virgindade duas vezes, sua relação com Robert Calhoun, o co-autor do livro, nunca é explicada. Enquanto supõe-se que os dois são amantes, e a leitura prova isto obviamente, nada é explicitado. Curiosamente, a única e última notícia que li a respeito de Farley Granger no IMDB foi sobre a morte de Calhoun, em maio passado.

Destaque para o desfile de lendas cinematográficas nas páginas da vida de Farley. Ele é convidado frequente das tardes de jogos na casa de Gene Kelly, joga tênis na mansão de Charlie Chaplin, toma drinques com Bette Davis, Humphrey Bogart, Tyrone Power, namora Ava Gardner e é vizinho de Donald O' Connor e Paulette Goddard. Tudo na maior naturalidade. 

O grande grito de Farley no livro, apropriadamente intitulado Include Me Out (uma das frases famosas de Goldywn), é de que ele não precisou do studio system para vencer sua ambição de ser ator. Ou seja, Farley Granger não queria ser "star". E certamente, fosse essa sua ambição, sua carreira estaria condenada. Granger, enquanto contratado da MGM, só fez grandes filmes emprestado a outros estúdios, como a RKO e a Universal. Seu grande sonho era ser ator de teatro. O que fazer? Farley compra os anos restantes de seu contrato e, falido, se muda para Nova York. Após sua saída das telonas, ele trabalhará frequentemente em peças ao vivo na TV, quando a mesma era uma novidade, e peças de teatro. Parece ser um cara realizado.

Mas Include Me Out tem em seu título uma ironia. A de "incluir fora" Farley Granger da lista das autobiografias humanizadas e honestas. Se Farley Granger for o homem de Include Me Out, ele terá sido apenas um homem comum sem grandes preocupações sobre a vida e sobre sua própria arte. Terá sido apenas um homem que fez grandes trabalhos e que adorava uma birita com seus companheiros famosos. Mas eu, ao menos, prefiro acreditar que a superficialidade esteja restrita às 244 páginas de sua autobiografia maçante. Prefiro acreditar que a vida do homem que trabalhou com Hitch e Visconti tenha sido um pouco mais interessante e reflexiva, embora este aspecto, ao contrário de suas experiências gastronômicas, não tenha sido tema de uma página sequer de sua publicação.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Maysa Ressurge

Confesso que faço parte do grupo de pessoas que nunca havia escutado uma canção de Maysa, mas que sintonizou na Rede Globo para assistir à minissérie exibida em homenagem à cantora. Como fã não tão antigo de MPB e apreciador de boas histórias e grandes personalidades - esta qualidade primordial de Maysa já explícita nos comerciais anteriores à estréia -, senti-me obrigado a acompanhar tal programa, um oásis do bom gosto na programação da tevê aberta. O triunfo da minissérie foi algo inesperado para mim. Recorde de audiência no primeiro capítulo, marcando entre 29 e 32 pontos! Depois do considerado "fracasso" de Capitu (eu pouco/nada entendo do IBOPE), acreditei que Maysa seguisse a mesma trilha. Nada mal para um programa tão bom - acostumei-me ao sucesso das porcarias e fracasso das boas obras na TV. Não é à toa que Maysa - Quando Fala o Coração se transformará em filme até o fim do ano. Com um minucioso trabalho de direção de arte, figurino, efeitos especiais e roteiro, está longe de se assemelhar às bobagens novelescas exibidas pela Rede Globo. Superou as minhas expectativas! A própria emissora se arrependeu de ter encurtado a minissérie para nove capítulos - aparentemente, seriam dezesseis na edição original - dado o sucesso da mesma. Ao menos Jayme Monjardim, filho da cantora e diretor da minissérie, admite que se trata da história de uma grande mulher que, por acaso, era cantora. Quando Fala o Coração explora a vida pessoal de Maysa e pouco de sua música e importância para a cultura nacional, embora algumas de suas gravações mais famosas sejam inteligentemente inseridas no contexto da trama. Pensando assim, até que dá para entender o sucesso da minissérie. Na era das celebridades-problema, Maysa foi uma espécie de pioneira. A divergência essencial era que Maysa não era a polêmica vazia - era a expressão do talento em uma vida conturbada e autêntica, documentada em suas belíssimas canções melancólicas. Uma espécie de Jezebel à la Bette Davis de sua época. Talvez, em um breve momento de reflexão, o grande público espectador de Maysa - Quando Fala o Coração lamente que em nossos tempos sobre muito espaço para a polêmica enquanto o talento é descartado sem grandes preocupações... (Britney Spears?) Mas, ao fim, Maysa ressurge. Seu nome, antes badalado apenas pela elite apreciadora de MPB, ganha a força do mainstream. A Star Is Re-Born. Parecido com o ressurgimento de Elis Regina há alguns anos. Agora serão relançados os CDs, montados DVDs, reeditadas biografias e tudo o que se tem direito para os antigos e novos admiradores da cantora. Nada mais do que merecido. Na falta de ídolos e artistas verdadeiros como Maysa, resta-nos isto: redescobrir os bons que não voltam mais!

sábado, 17 de janeiro de 2009

Shoebox

"Quando eu falava dessas cores mórbidas
Quando eu falava desses homens sórdidos
Quando eu falava desse temporal
Você não escutou...

Você não quer acreditar
Mas isso é tão normal.."

'Paisagem da Janela', Lô Borges


Que fazem conosco? Nós, os dean-cliftianos do século XXI. Nós, os Michael Jacksons, os Peter Pans privados de Terra do Nunca sem granadas e homens-bombas. Nós, os mártires de apartamento, cerrados em blocos de concreto neste verão interminável-irremediável de cidade do litoral. O fardo da cruz da excepcionalidade! Inestimável tolice aquela minha, de guardar os olhos limpos e as mãos quentes, o sorriso afável. Lô me faz lembrar, em dois minutos e cinquenta e cinco segundos, tudo o que esqueci tão facilmente, ocupado com a amabilidade enorme deste coração. Tinha esquecido das cores mórbidas, dos homens sórdidos. Não via os temporais e tampouco escutava os trovões. Que torpor existencial poderia ter sido este, que me fez contemplar a blueness de viver com tanta inconsciência? Por quanto tempo estive dormindo? Que complacente sonho este, que remove o mal dos outros, mas o deixa permanecer em mim. Ouço ainda a voz de Lô, meio zombando, meio cara-que-dá-a-mão-pra-essa-gente-confusa, dizendo que não quero acreditar, embora seja tão normal. Quanta traição nestas doces palavras! Como de joelhos no asfalto, diante das árvores, da terra, dos pássaros, do Sol, das nuvens, do céu, do Todo-Poderoso proclamo: que possível culpa tenho eu? Mas Ele, seja lá onde esteja, não responde, e resta a mim viver aqui, neste quartinho com as minhas coisas, com o turbilhão de palavras malditas que não me esquecem e com esta culpa, minha tão grande culpa, que vem por culpa minha não ser, mas que nem logicamente deixa de ser culpa. Tomo as palavras de Lô como minhas. Parecem escritas sob medida para fortalecerem meu corpo desgastado, ajudam-me a afiar as unhas e os dentes. Acordam-me daquele sono hedônico e babaca, daquele marasmo que já vivi e que nunca poderia constituir resquício de felicidade. Não há felicidade na obediência aos homens sórdidos. A sordidez da perpetuação do “ser” ínfimo, àqueles que querem reduzir toda essa nossa beleza, toda essa nossa cara-de-pau de ser feliz a uma mera shoebox vazia. Sim, querem nos trancar em um papelão e que nos contentemos com tal medíocre destino! E enquanto a cólera e o escárnio do meu riso tão upminded me alegra, não sei até que ponto os homens sórdidos triunfam, apesar de todos esses nossos esforços em conservar-nos íntegros em nossa singularidade. Quanto a mim, não sei e não gosto de pensar em possível derrota. Se pensar e encontrar em mim este vão de maledicência o qual tanto abomino, corro o risco de surtar precocemente – entendam, ainda não sou mega-artista para projetar minha dor ao mundo, à lá Judy Garland, que será compartilhada e martirizada entre tantos outros corações iguais a este que bate agora. Mas o que sei é que em mim restou essa grande saudade latente. Esta saudade meio technicolor de querer ser feliz. Mas não tenho mais cinco anos. E não ter mais cinco anos pode ser a coisa mais triste do mundo e te transformar no cara mais trágico de toda a história, se há a possibilidade de, com tudo e apesar de tudo, você acabar em uma shoebox. E como sair? Como rebelar-se das amarras do mundo pra ser céu e terra, um espírito livre? Quem sou eu para dizer? Graças a seja lá quem ou quê, não fui dotado com os talentos duvidosos dos escritores de auto-ajuda. Posso dizer que estou no mesmo barco que você e que estamos aí, respirando a cada dia que termina e que começa, lutando. E acreditando nessa loucura mítica, no pote de ouro além do arco-íris que chamam de felicidade. E ficando longe dos tarjas pretas, como não fez Marilyn Monroe.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Quando o Ídolo Incomoda os "Fãs"

"As pessoas não sabem como são as coisas para mim. Ninguém sabe, realmente. Ninguém deveria julgar o que fiz com a minha vida. A não ser que tenham calçado os meus sapatos em cada dia horrível e cada noite sem dormir." - Michael Jackson, 1995

Como já é de praxe, a última aparição do megastar Michael Jackson causou furor nos demais grupos de discussão destinados aos seus fãs na web. O Rei do Pop visitou uma livraria em Los Angeles na véspera de Ano Novo, com um sobretudo por cima de um suposto pijama (este só fui notar após os comentários aflitos e desesperados de alguns fãs), sua usual máscara cirúrgica, óculos de leitura e chapéu. Nada de extraordinário para quem acompanhou Jackson em algum momento dos últimos 15 anos. Qual seria a polêmica então? Ora, a polêmica é que, apesar do comportamento de Michael Jackson já ser previsível, de tais aparições não constituírem nenhum fator anormal à sua trajetória nas últimas duas décadas, ele não deveria persistir em tais ações pela sua carreira e pelo bem de sua "imagem".

Ora bolas, ao homem que foi perseguido por rumores de abuso sexual infantil por uma década, acusado e julgado por supostamente ter cometido tais crimes, uma aparição em uma livraria trajando pijamas, logicamente, ocasionará a ruína de sua "imagem". É de imaginar se tal argumentação tão pobre é advinda da ignorância da desinformação (possível) ou simplesmente da desaprovação descabida ou envergonhamento causado pelas atitudes do ídolo (provável). Analisemos então a primeira proposição.

Uma série de eventos em 2002 ajudaram na derrocada da "imagem" já fragilizada de Michael Jackson perante a grande mídia, culminando com o documentário de Martin Bashir no início de 2003. O estrago ali foi tão grande, muito mais pelo cinismo da mídia em geral em distorcer deliberadamente as palavras ditas no especial por Michael do que pelo próprio documentário em si (muitas pessoas, como eu, se tornaram admiradoras do homem Michael Jackson a partir dali), ao ponto de Jackson lançar um documentário-resposta e filmar "Private Home Movies", na tentativa de humanizar-se com o público. No dia após a exibição de "Living With Michael Jackson", as vendas de discos do cantor aumentaram 1000% no Reino Unido, segundo maior mercado fonográfico do mundo. Naquele mesmo ano, quando ele foi preso, Number Ones, coletânea de sucessos com uma gravação inédita, cuja promoção maior (videoclipe) foi suspensa, chegou ao topo da parada britânica vendendo 4 milhões de cópias no globo em pouco mais de um mês. No ano de 2004, antes da absolvição do cantor, ele vendeu cerca de 1.1 milhão de cópias entre CD's, DVD's e VHS's nos Estados Unidos, segundo a Nielsen Soundscan. Mais do que o dobro de popstars como Madonna (473,570 cópias), Mariah Carey (425,890 cópias) e Cher (508,660 cópias). Mais recentemente, Thriller 25th ocupou o posto de 16º álbum mais vendido no mundo em 2008 - 2,3 milhões de cópias vendidas. Trata-se de um relançamento sem preocupações com singles, videoclipes, aparições na TV e shows promocionais, que ficou à frente de discos de inéditas de Beyoncé, Usher e Chris Brown, alguns dos considerados hot acts da atualidade, e não tão atrás de lançamentos como Rihanna (3,7 milhões de cópias) e Madonna (3,2 milhões de cópias), estes devidamente promovidos com singles, clipes e turnês. Prova-se então que o sucesso comercial de Michael Jackson independe de sua imagem pública e consegue ser ainda maior do que o de artistas bem vistos midiaticamente.

A tal preocupação do com a imagem do ídolo, provada infundada em relação a um potencial inabalável de vendagens, não seria então, travestida, a preocupação com o olhar do outro em relação ao seu ídolo? A preocupação com a desaprovação ao desconhecido, ao intolerado... ao puro preconceito? Parte dos tais fãs admitem de fato ser este o motivo. Boa parte, se não a totalidade deste grupo, que acusa Jackson de vagabundagem (como se os mesmos tivessem acesso à intimidade do dia-a-dia do Rei do Pop para manterem tão firmemente tal achismo), se consideram fortes candidatos ao cargo de Joe Jackson da vida adulta do cantor, considerando o mesmo tão estúpido por agir desta ou daquela forma, porque eles agiriam dessa e daquela outra maneira, como se fossem eles, diletantes executivos do mercado fonográfico em sua imaginação, as cabeças por trás dos álbuns de vendagens milionárias e turnês de recordes de público não superadas. Afinal, vagabundo é Michael Jackson, e não quem gasta horas por dia, em messageboards, ditando o que o astro deve ou não fazer.

É a desumanização do cantor, aos moldes da midiática, que invade as fanboards ao mesmo tempo que não deixa de mitificar a superestrela pop. O fã quer que Jackson retorne musicalmente, triunfe e se coloque no topo do mundo como nos tempos de Thriller para que ele, junto ao moonwalker, triunfe também. É este um dos aspectos doentios da relação de alguns fãs com seus ídolos, e mais significantemente encontrado entre os fãs de um astro cujos números, performance e postura sempre remeteram a poder. O fã, no entanto, não apenas necessita do retorno musical de Michael Jackson (por isso, em seus acessos durante a longa espera, põe-se a chamá-lo de vagabundo), mas também que o comportamento do astro corresponda às suas expectativas. Ele deve agir de acordo com determinadas "regras" para que os "outros" não falem mal e o fã não se sinta contrariado, ou então até mesmo ultrajado e enojado em seu próprio preconceito, passando a odiar o objeto de sua adoração. Neste jogo de neuroses, uma questão torna-se fundamental: até onde vai o direito dos fãs em suas críticas aos ídolos?

Certamente que os fãs não são obrigados a concordar com todas as ações de seus ídolos. Mas até que ponto distingue-se a crítica da legislação doentia sobre a vida e individualidade do outro? Critica-se Michael Jackson por sair de pijamas e máscara cirúrgica. Compara-se o comportamento dele ao de quem perdeu o senso entre "certo" e "errado". Publicações ironizam quando Jackson entra em seu carro e é fotografado um cartão com bebês que ele provavelmente ganhou de fãs. Faz-se claramente a ponte excêntrico = pedófilo sem grandes preocupações investigativas ou éticas que sejam. E tudo isto porque o astro saiu de pijamas e máscara cirúrgica! O quão atrasados somos!

Este pijama e especialmente esta máscara cirúrgica que, compondo o todo da aparição de Jackson, não constitui ruptura alguma da imagem que ele construiu para si ao longo dos anos. Muito pelo contrário. É de uma força mística que, desnudado em sua vida pessoal com um julgamento por um crime considerado hediondo, Michael Jackson ainda conserve uma mítica sem parâmetros, quando até uma simples saída de casa, de pijamas ou não, é manchete internacional. É o que separa os mitos dos meros mortais e Michael Jackson, megastar larger-than-life e último grande song-and-dance man de uma geração sem ídolos. Charles Chaplin não era Carlitos, ambos se fundiam e se separavam. Michael Jackson é a criação de si mesmo, a obra integrada seja na mítica da vida ou na mítica do palco. Por isso você vê covers do cantor se apresentarem de máscara cirúrgica apesar do mesmo nunca tê-la usado num palco. Um feito como o de Jackson só é comparável ao das estrelas do star system da era de ouro de Hollywood, que tinham um estúdio inteiro ao seu dispor para promover o mito. Com Michael Jackson nunca irá acontecer um episódio à lá Madonna quando, num país onde se aglomeram por Calypso, a chamada Rainha do Pop teve três fãs a esperarem-na no hotel e, quando saiu na janela com os filhos, foi recebida com tudo menos histeria - alguns até debochavam-na gritando "Xuxa". E há fã que defenda que Michael Jackson deve sair e ser mais "social" como Madonna, como se sair na rua sem causar alarde, puramente por ter bebido por boa parte de sua carreira em fontes como Marilyn Monroe e Marlene Dietrich, estas sim mitos de verdade, sem se preocupar com a criação de uma mítica singular e original sendo, por fim, reduzida à diva entre tantas outras, fosse mérito algum.

Mas, deixando o lado artístico-popista da coisa, há ainda quem ache que Michael Jackson deve passar a se portar como uma pessoa "normal", embora me soe extremamente patético e ilusório a idéia de um mega-astro e mega-gênio, artista desde os 5 anos de idade, se portando como o dono da churrascaria da esquina. E o que definiria um comportamento "normal"? Pijamas e máscara cirúrgica por acaso indicam perversidade? A verdadeira perversidade é o ódio à diferença, seja ele travestido de "preocupação" de fã ou não. O que acontece com Michael Jackson lembra-me muito a situação dos homossexuais. Pincela-se uma aceitação por parte da sociedade, fala-se em direitos, mas na TV há ainda aquela velha piada que, em segundos, reduz conquistas importantes ao vazio do riso debochado. O riso despreocupado sem qualquer resquício de humanidade. O riso da imbecilização generalizada. É este o riso o qual Michael Jackson tem sido vítima há décadas. E ao invés de cobrarem da sociedade mais respeito, mais consciência, mais compreensão e mais amor, cobra-se dele que se ajeite neste quadro, que cale seu espírito diferente, que reprima sua própria natureza para não desagradar o público e estas pessoas que tanto o amam e entendem... seus fãs!

Mas graças aos céus que um não-conformista autêntico como Michael Jackson não é de plástico e está acima desta mediocridade estúpida. E a estes fãs, mais preocupados com o novo álbum ou, talvez, com quantas edições asiáticas de Invincible já adquiriram, uma dica: aproveitem o leilão de Jackson que está por vir e arrematem os portões de Neverland! Caso não saibam, neles está inscrito: Deus e meu direito. Vergonha àqueles que pensarem mal disto. Alguém aí falou em Xscape?