sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Morre Brick Pollitt

Paul Newman morreu, pensei. Semaninhas negras estas. De adeus do Dean, Rock Hudson, Miss Bette Davis. Fellini no 31. Sad, sad, sad. E minha Hollywood dos sonhos, glamour do preto-e-branco e Technicolor, de repente... perdida. Morreu Paul Newman. Como morreram tantos. Brando, Kerr, Monroe, Crawford, Garbo, Dietrich, Chaplin, Bogart, Stewart, Grant, Karloff, Astaire, Olivier, Gene, Grace, Audrey, Katharine, Garland. Tantos. E Paul Newman morre. Paul Newman da Cor do Dinheiro, do golpe de mestre, o cool hand luke, o Butch Cassidy, o do Inferno na Torre. Todos os Newmans que não conheci. Morreu Brick Pollitt, pensei. Sim, morreu Brick Pollitt. Brick Pollitt! There must be some mistake. O Pollitt daqueles 108 minutos não morre... ele bebe e luta, briga, chora porque can't stand a falsidade. Como poderia ele morrer? Mas assim o fez. Não em acidente como Dean ou Grace, nem de causas naturais como Katharine. Mas do maldito câncer, que nos levou Davis e Audrey. Sim, só o câncer poderia abater Brick Pollitt e nos privar de sua alma dean-cliftiana. Quantas vezes Pollitt esteve no meu televisor! E por quantos anos! Foi um dos primeiros da golden age que conheci. Lembro da mão trêmula depositando o disquinho na bandeja daquele tijolo velho de DVD, a ânsia pra ver a tão-celebrada peça de Tennesse Williams que levou 6 indicações ao Oscar de 59. E o esforço! A mesada guardada, às moedas. A pesquisa longa e extensa em torno dos clássicos hollywoodianos pra dizer "sim, é este que quero!". Sim, Pollitt, era a ti que queria ver! Por certas razões e muitas outras. Afinal, Liz Taylor é uma diva. E o filme começava. Quantas vezes vi e revi aquela cena inicial, você, coitado, bêbado, frustrado, completamente desgraçado pela vida, tentando ser o atleta que já foi um dia ao som do "Go, go Pollitt! Brick Pollitt" que obviamente só poderia ser real na sua cabeça embriagada. E depois você, já engessado (entendemos, você se machucou ao pular os obstáculos na noite anterior), deitado e bebendo pra variar, pensando e doendo por dentro e esperando Elizabeth Taylor entrar em cena. E quando ela entra, com toda sua divindade, a tela se transforma em ringue para os teus olhos azuis e os olhos violeta dela. Que bela luta! Até quando vocês dois resolvem se pegar, é claro, não do modo que Maggie-Liz Taylor deseja. Não estou vivendo com você, apenas ocupamos a mesma jaula! berrava Liz Taylor. Depois chegava Big Daddy, o seu pai que foi o xerife de Vidas Amargas, em meio à pompa organizada pela mulher daquele seu irmão filho-da-mãe, que fez Nasce Uma Estrela e aquele filme com a Dietrich e o Jimmy Stewart que vi outro dia. Belo canalha ele, saquei de cara! Toda a festa porque Big Daddy voltou dos exames médicos que fez mas, para a decepção do casal-desgraça que levou seus no-neck-monsters/filhos para recepcionar Big Daddy, os exames confirmaram que o velho irá viver por muitos anos. Salve Big Daddy! Mas Liz Taylor que sempre foi pobre a vida inteira se preocupa com o teu irmão e sua esposinha, afinal, os dois podem ganhar a confiança da Big Momma e conseguir que o império dirigido por Big Daddy seja, após a morte deste, unicamente deles e dos no-neck-monsters. Você, como boa alma que é, está pouco se lixando pro Big Daddy e pro dinheiro dele. Falam até em te internar na clínica pra alcóolatras Rainbow Hill e você, bebendo, faz um brinde to Rainbow Hill! Logo vem Big Momma se intrometer na privacidade da suíte-sem-amor sua e de Liz Taylor e dar palpites inxeridos sobre sua vida de casado, o que causa um oportuno estranhamento em mim, não pelos palpites que parecem típicos da figura ingênua de Big Momma, mas quando penso nos dois anos que levei pra reconhecê-la na figura funesta de Mrs. Danvers no hitchcockiano Rebecca. De todo modo, agora Liz Taylor quer falar e você quer dar nela uma muletada. Ela quer falar sobre Skipper porque it's got to be told! Mas não, ela não vai falar, simplesmente não pode! Big Daddy exige respostas... afinal, por que tu bebes tanto? Mandasity tu dizes. Sim, a falsidade, que não foi uma nem outra vez... e eis que Liz Taylor entra de novo e explicas o que tu, talvez, tão magoado por razões explícitas e implícitas de Tennessse Williams, não quisestes ouvir antes. Ora, Brick, Skipper não havia o traído então. Morreu pedindo por ti, por tua ajuda... tu o ignorastes, Brick! E agora restavam as lágrimas, e o som daquele telefone tocando, Skipper, que tu não atendestes... Entende agora por que eu bebo? O nojo da falsidade na verdade é o nojo de mim mesmo! E quando bebo não ouço mais o som daquele telefone tocando! E na agonia dos teus olhos azuis, Brick Pollitt, naquele momento, tornaste-te um Deus da sétima arte. Sim Brick, ali entendi perfeitamente o que sentias e até o que sentias e não dizias. Almas partilhando uma inevitável dor existencial! Quão envaidecido fiquei ao me identificar em ti, personagem tennesseewilliamno! Tu passou a ser freqüente nas minhas sessões repeteco das sextas-feiras colegiais. Certas vezes o sono me abatia, te perdia por momentos em meio aos meus devaneios pré-meia-noite, mas ao acordar tu estavas lá, a dor de sempre tão conhecida, a berrar worthless worthless quebrando as porcarias que o Big Daddy achou que podiam comprar teu amor. Worthless! Mas no gran finale - não da película, mas de la vita - tiveste que morrer... e eu entendo, saco tudo sobre mortalidade, sei que também irei para aquelas bandas um dia, mas não falemos de tão desagradável noção. Tua grande alma não vai para debaixo da terra, e é tudo o que importa. Brick Pollitt, 20 e poucos, talvez 30, olhos azuis, confuso mas não covarde, um rebelde existencial da MGM de 58. Até que a terra nos engula também, nós, que somos tão desgraçados e tresloucados como você (by the name of love and not mandasity), estaremos respirando esta bela alma que plantaste no cinema hollywoodiano e, mais importante, em nossos espíritos. May you rest in peace, Pollitt!

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