quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Êxtase Brandoniano

É notória a minha insatisfação com a cidade de Santos. Culturalmente, pouco (se quase nada) me atrai. Invejo São Paulo com suas salas de cinema alternativas que exibem Wilder, Bergman, Fellini e estrelas como Monroe, Garbo e Davis como algo rotineiro. Com este sentimento iniciei a segunda-feira do dia 15. E com uma pitada de raiva também.

Navegando pela Folha Online descobri, em destaque, que filmes raros do grande Ingmar Bergman serão exibidos na Mostra de Cinema de São Paulo deste ano. Como tudo que é bom nunca chega a esta província-wannabe-metrópole, claro que não me espantou. De fato, seria um feito extraordinário se um evento deste porte sequer chegasse perto de Santos (embora que, Deus saiba lá por que, Dionne Warwick, que já pisou nos palcos do Madison Square Garden, esteve duas vezes a fazer shows há poucas ruas de minha casa no último ano).

A indignação porque não terei a experiência única de assistir Bergman no cinema transformou-se em curiosidade. Será que Santos nada tem de interessante a Vilângelo ou Vilângelo que, por não ter interesse em Santos, não sabe se há algo interessante de fato? E em tal questão hamletesca, dirigi-me destemidamente ao Google em busca de desbravar os supostos recantos da boa cultura na minha tão lamentavelmente tediosa cidade. Eis que fiz um excelente, se não quase surreal achado: o Museu de Imagem e Som de Santos.

O MISS está localizado no Teatro Municipal da cidade e, quem conhece o local, certamente compreenderá do que falo (sim, toda vez que tal Teatro vem a minha cabeça só consigo pensar em como o local é feio e mal-cuidado). O MISS não é nenhuma evolução neste sentido. Pouco pude ver do museu em si, que abriga milhares de LPs (entre eles, o primeiro álbum de Elvis Presley e um dos primeiros de Little Richard). Há uma mensagem no site dizendo aos visitantes que é permitido gravar os LPs em fitas K7 para se levar pra casa (pergunto-me se há ironia nisso mas, ao descobrir que a grande maioria dos filmes exibidos no auditório deles é em VHS, reservo-me ao direito de ficar calado).

Mas eis que pulo o momento maior da extraordinária descoberta do MISS. O descobri ao saber que Sindicato de Ladrões, uma das obras máximas do genial Elia Kazan, com uma performance definitiva e histórica de Marlon Brando, seria o filme exibido na "Sessão Retrô" do auditório deles, que acontece todas as segundas-feiras há anos! Sim, mais tarde, ao pesquisar, descobri que, por anos, perdi exibições de Gene Kelly, Cary Grant, Bette Davis, Laurence Olivier, Fred Astaire, Marlene Dietrich, Ingmar Bergman, Federico Fellini e tantos outros... e ainda por cima de graça!

Havia já estabelecido certa programação para o dia, mas quem se importa com o que quer que há de ser feito quando se pode assistir Marlon Brando na silver screen? Bastou-me persuadir alguns amigos, e já estava a caminho de tal glorioso momento!

Como comentei sobre a precariedade das instalações do Teatro Municipal, aqui falo sobre o auditório do MISS: as cadeiras, embora estofadas, não eram de fato confortáveis, o aroma da sala não era dos melhores e, sendo sessão grátis, considerável parte do público era constituída pelos mendigos dos arredores que, obviamente, em nada ajudaram na melhoria do odor da sala. A minha cópia do filme em VHS (gravada da TV) era também infinitamente superior à exibida, que deve ter sido algum relançamento oitentista de clássicos em vídeo que, Deus lá sabe como, não embolorou. Mas não reclamemos da boa cultura dada de graça!

Até porque nenhum empecilho merece menção quando surge ele, imenso na tela, um Deus mítico do cinema... Marlon Brando! Como envolto num sonho louco, desses de extrema felicidade e realização aos quais, ao acordarmos, cinzentamente constatamos que apenas no mundo dos sonhos poderia ter acontecido. Mas eu vi ele! Eu vi o Marlon Brando no cinema, como já havia visto várias vezes no meu televisor, como milhares de pessoas viram em sua estréia original, em 1954! E em um dos maiores filmes de Elia Kazan, mestre da direção em clássicos como Vidas Amargas com Jimmy Dean e Uma Rua Chamada Pecado, com Vivien Leigh e o próprio Brando!

Sindicato de Ladrões
, filme do ano no Oscar de 1955, começa com a morte "encomendada" de um grevista, de certa forma ajudada por Terry Malloy, personagem vivido por Brando. Terry, que costumava ser lutador de boxe, trabalha agora no porto para Johnny Friendly, o chefão corrupto do sindicato. Em realidade, Terry não trabalha, ganha grana fácil e executa os trabalhos mais simples... em resumo, é um "vagabundo" (e aqui temos uma das frases mais memoráveis do trabalho de Brando no cinema. Em uma cena com seu irmão, Terry diz: "Você não entende! Eu poderia ter sido um lutador! Eu poderia ter sido alguém! Ao invés de um vagabundo, que é o que sou!"... e o filme atinge seu ápice com a morte do irmão de Terry). A irmã do grevista morto, interpretada por Eva Marie Saint, recusa-se a retornar a escola enquanto não descobrir quem matou seu irmão. Um padre (interpretado por Karl Malden), a ajudará em realizar tal descoberta. Terry Malloy e Edie (Eva Marie Saint) se apaixonam e... será que Terry vai revelar o que sabe? Quando seu irmão é morto, ele decide-se a acabar com o império de Friendly. Não revelarei o final para futuros apreciadores da obra de Kazan, mas não devemos ignorar e ao menos mencionar a beleza simbólica da cena final!

Brando brilha na performance de uma vida (provavelmente a maior performance de Brando, seguida por Uma Rua Chamada Pecado... sim, nunca fui entusiasta de O Poderoso Chefão!), onde cada movimento e cada palavra sua na tela são manifestações estásicas de um talento raro e extraordinário que, em sua legitimidade, contagia-nos também com seu êxtase de expressar!

Ao final da película, meus olhos ainda custavam a digerir a grandeza do momento que haviam presenciado! E eu retornei ao meu mundo caseiro como quem é agraciado com um milagre... "Eu vi Marlon Brando! Eu vi Marlon Brando! Eu vi Marlon Bando!" Ao anoitecer, esvaziei a minha mochila e percebi que haviam levado minha carteira, com todos meus documentos, cartão do banco e dinheiro retirado e vislumbrado por tão pouco tempo, certamente no ônibus lotado a caminho do paraíso Brandoniano. Mas tudo bem. Por ele eu faria tudo isto novamente!

Um comentário:

Nathaly Brenner disse...

Naquele dia várias coisas aconteceram, mas o destaque foi: Bruno e Mr. Brandon encontraram-se. Tá certo que eu preferia encontrar em dvd com melhor qualidade de imagem e som, e em um cinema sem odores estranhos, mas valeu a pena!

Um abração!
Nathyka