sábado, 18 de outubro de 2008

100 Anos Dela

"Sempre tive vontade de vencer. Podia sentir isso ao assar cookies. Tinham de ser os melhores cookies que alguém já assou." - Bette Davis

Terminada a projeção, o palco se iluminava e ela, pé ante pé, aproximava-se da platéia extasiada. "What a dump!", finalmente disse, depois de colocar o cigarro em cima da mesa improvisada, para os aplausos frenéticos. "What a dump!" era a célebre frase de um dos seus filmes, discutida mais tarde por Elizabeth Taylor em outra célebre cena de Quem Tem Medo de Virginia Woolf?. Com esta frase, era dado início à parte "In Person" do Bette Davis In Person and On Film, espetáculo que percorreu os Estados Unidos, Europa e Austrália nos anos 70, encantando espectadores de cinema com a presença de uma estrela única do firmamento hollywoodiano: Bette Davis.

Ruth Elizabeth Davis começou sua carreira no cinema com uma definitiva dificuldade: sua falta total de sex appeal. Embora seus belíssimos olhos azuis tenham sido imortalizados no hit oitentista de Kim Carnes, em tempos de Jean Harlow, Bette Davis não era nenhum ideal de beleza. Contratada pela Universal, ela estreou com o insosso A Irmã Má, em 1931, contracenando ao lado de Humphrey Bogart. Resultado: ambos foram despedidos do estúdio. "Havia uma lenda naquela época de que, se você fosse despedido da Universal, você realmente iria chegar em algum lugar", ela diria anos depois. Chegou então o contrato com a Warner Bros. Mas ainda fazendo um punhado de porcarias, Bette solicitou que a Warner a permitisse fazer um filme para a RKO. O resultado foi o primeiro grande triunfo de sua fantástica carreira: Escravos do Desejo (ou Servidão Humana) foi lançado em 1934 em meio a controvérsias. Na fita, Bette Davis interpretava Mildred Rogers, uma garçonete que leva o personagem de Leslie Howard à ruína. A primeira grande "bitch" do cinema! Bette esperava ser indicada ao Oscar pela sua performance, mas quando sua indicação oficial foi negada, houve uma tentativa de colocá-la como "write-in" (os jurados poderiam votar em quem quisessem, estando o ator/atriz indicado ou não). De todo modo, Bette não venceu, mas ganhou o prêmio de Melhor Atriz em 1936 por Perigosa, um prêmio de "consolação" por Escravos. Sua fama estava firmada, mas o alcance ao estrelato absoluto - e ao topo dos box-offices - viria com Jezebel, filme de 1938 que lhe renderia seu segundo Oscar. Dirigido por William Wyler, Bette contracena ao lado de Henry Fonda como uma jovem e ousada sulista. A partir de 1940, Bette Davis teria cinco indicações seguidas ao Oscar de Melhor Atriz; no ano de E o Vento Levou e O Mágico de Oz, ela foi indicada ao prêmio pelo papel de Judith, uma socialite que luta pela felicidade sabendo que tem apenas meses de vida no clássico Vitória Amarga (1939); em 1941, a indicação seria por A Carta, outra parceria com William Wyler; em 1942, seria a vez de Pérfida, em mais uma colaboração com William Wyler, e em 1943 por Charlotte, no seu então maior sucesso de bilheteria, A Estranha Passageira. Mais uma indicação estaria a caminho em 1945 pelo filme Vaidosa, em que Bette contracenou ao lado de Claude Rains.

A carreira de Davis sofreria um declínio no final dos anos 40, com filmes que fracassaram no box office ou foram detonados pelos críticos como Uma Vida Roubada, Que o Céu a Condene e Beyond The Forest, lançado no Brasil sob o curioso título A Filha de Satanás. Depois deste último, em 1949, Bette Davis saiu da Warner Bros. Muitos apostavam no fim da carreira da atriz, mas eles teriam de "apertar os cintos" para a tempestade que estava por vir!

Em 1950, Bette Davis viveu a atriz de teatro Margo Channing, no altamente celebrado clássico A Malvada, em o que muitos consideram a performance de sua carreira. Com um roteiro impressionante e um elenco impecável, o filme foi indicado a 14 Oscars, vencendo 6, incluindo Melhor Filme. Bette, no entanto, perdeu o prêmio de Melhor Atriz para Judy Holliday, talvez um dos maiores roubos da história da Academia.

Apesar de seu retorno espetacular com Malvada, Bette Davis não alcançaria novamente o sucesso no cinema como o teve nos anos 40. Ela estrelaria ainda em filmes como Lágrimas Amargas (1952), pelo qual recebeu mais uma indicação ao Oscar, A Rainha Tirana (1955), onde retornaria ao papel da Rainha Elizabeth - o qual havia interpretado 16 anos antes em Meu Reino Por um Amor (1939) - e O Estranho Caso do Conde (1959).

Em 61, Bette se reúne ao lendário diretor Frank Capra (A Felicidade Não Se Compra, A Mulher Faz o Homem) no último filme deste: Dama Por Um Dia. Mas seria em 1962 que ela encontraria mais um grande triunfo no cinema, quando o diretor Robert Aldrich a uniu com sua antiga rival Joan Crawford, no filme de suspense-horror O Que Terá Acontecido a Baby Jane?, onde ela interpretou a grotesca personagem do título, uma velha que acredita ainda poder reviver o sucesso musical de sua infância, enquanto amedronta e tortura sua irmã em cadeiras de rodas, interpretada por Joan. Como conta Bette Davis em seu livro This 'N' That, Joan Crawford usou de sua influência na Academia para fazer com que ela não levasse a estatueta - seria seu 3º Oscar. Joan teria ligado para todas as indicadas e se comprometido a receber o prêmio por elas caso não pudessem atender à cerimônia. Naquele ano, Anne Bancroft ganhou e Joan aceitou o prêmio pela atriz. "Eu queria ser a primeira atriz a ganhar 3 Oscars, mas Katharine Hepburn conseguiu antes. Na verdade ela não conseguiu. A Sra. Hepburn só ganhou metade do 3º Oscar. Se tivessem me dado meio Oscar, eu jogaria de volta na cara deles," disse Bette sobre o prêmio de Melhor Atriz que Hepburn dividiu com Streisand.

Com os custos de Baby Jane sendo cobertos logo na sua semana de estréia, Robert Aldrich já visualizava outro veículo para suas duas grandes estrelas brilharem novamente. Com a Maldade na Alma, de 64, foi este filme. Na verdade, era para ter sido. Crawford ficou doente durante as filmagens e teve de ser substituída por Olivia de Havilland, a eterna Melanie de E o Vento Levou. Com a Maldade na Alma rendeu 7 indicações ao Oscar e ajudou a revitalizar a carreira de Bette no cinema, que iria protagonizar filmes como Nas Garras do Ódio, Alguém Morreu em Meu Lugar e O Aniversário nos anos 60, e Madame Sin, Morte Sobre o Nilo e Perigo na Montanha Enfeitiçada nos anos 70.

Em 83, a atriz foi diagnosticada com câncer de mama e sofreu um derrame. Os médicos apostavam que ela nunca trabalharia novamente. "Vocês não conhecem Bette Davis!", disse um amigo seu aos médicos. Seus anos finais foram de homenagens e, é claro, muito trabalho. Ela estrelaria ainda o filme indicado ao Oscar, As Baleias de Agosto, ao lado de outras duas lendas do cinema: Lillian Gish e Vincent Price. Lançaria o livro de memórias This 'N' That contando sua história de recuperação após seu derrame de 83, entre outros fatos curiosos de sua vida, incluindo uma carta à sua filha que, durante a recuperação da mãe, lançou um livro sensacionalista à lá Christina Crawford falando sobre os supostos abusos de personalidade da atriz. Bette disse que, diferente do seu derrame, desta traição ela nunca se recuperaria.

Em 1989, Davis descobriu que seu câncer havia retornado. Ela nos deixaria no dia 6 de outubro daquele ano. Na sua sepultura, uma frase que o diretor Joseph Mankiewicz havia dito a ela nos anos 50 e que ela, em várias entrevistas, orgulhosamente citou: "Ela fez da forma difícil/She did it the hard way." Seu legado não nos permite mentir: valeu à pena, Bette!

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