sexta-feira, 10 de abril de 2009

A Estréia de Um Gênio

No ano de The Big Parade, O Encouraçado Potemkin de Eisenstein e Em Busca do Ouro de Chaplin, o primeiríssimo longa-metragem de Alfred Hitchcock é realizado (embora não exibido até 1927).

O Jardim da Alegria (1925) conta uma história sem grandes pretensões. Patsy Brand (Virginia Valli) é uma corista no music hall 'Pleasure Garden'. A moça casa-se com Levett, senhor de negócios que vai enriquecer nas colônias inglesas dos Trópicos. Antes de partir para sua lua de mel, Patsy conhece Jill, namorada de Hugh, amigo de seu marido, e graças à sua ajuda, Jill começa a trabalhar no teatro. Levett e Hugh partem para as colônias britânicas e Patsy segue a rotina de sua vida londrina, mas Jill facilmente esquece o namorado e entrega-se aos homens e ao luxo. Patsy vai para os Trópicos ao descobrir que seu marido está doente, mas o encontra alcoólatra, vivendo com uma nativa. Ela o abandona e o marido assassina a nativa, enlouquecendo, e tentando matar a própria esposa.

O melodrama sobre infidelidade prenuncia algumas das características mais marcantes da obra do Mestre do Suspense. O erotismo, sutil, aparece já neste primeiro trabalho. Em uma cena em que as duas chorus girls trocam de roupa, a câmera exibe, imóvel, as peças sendo jogadas, acumulando-se dentro do plano, estimulando o espectador a especular sobre a nudez das garotas, ponto central da cena. A obsessão pelas loiras é introduzida timidamente - a saber, as duas atrizes do filme são morenas. Mas na cena inicial, em um show do music hall, todas as coristas dançam com perucas loiras, de pernas à mostra, devidamente valorizadas pelos closes do diretor. O voyeurismo sacramentado em Janela Indiscreta se apresenta na figura de um senhor na primeira fileira do music hall, que usa de seus binóculos para enxergar, em fullscreen, as pernas dançantes das jovens coristas. Uma síntese de importantes aspectos do diretor apresentados logo em sua primeira sequência cinematográfica!

O primeiro plano do filme recebeu certas interpretações expressionistas. O Jardim da Alegria foi filmado na Itália e na Alemanha, um ano após Hitchcock ter tido sua experiência nos estúdios da UFA, trabalhando em um filme ainda não como diretor. Naquele ano, Hitchcock travou contato e assistiu o clássico de Murnau, A Última Gargalhada, ser filmado. No primeiro plano de O Jardim da Alegria, as dançarinas são mostradas, em plano geral, descendo uma escada em espiral. Sendo este um elemento extensamente explorado no cinema expressionista alemão, realizado àquela época, supõe-se ter sido a inspiração de Hitchcock para seu primeiro plano cinematográfico. Não à toa, o expressionismo influenciará boa parte de sua obra, assim como o cinema americano em geral nas próximas décadas.

O humor de Alfred Hitchcock, sempre presente como alívio ao suspense, nasce na figura do cachorro Cuddles, que interrompe as orações de uma das moças lambendo-lhe os pés e, ao longo do filme, contrasta com o crescendo do drama. Quando lançado, a crítica louvou o diretor, ironicamente, pela qualidade "americana" do filme. Trata-se de uma época em que o cinema britânico, decadente, era considerado como inferior frente às conquistas técnicas americanas desde a ascensão de D. W. Griffith. Mas Hitchcock ainda teria pouco mais de dez anos para nos legar seus grandes clássicos britânicos, Os 39 Degraus e A Dama Oculta, até ele também se render à maquina de sonhos dos grandes estúdios de Hollywood e, então, cristalizar-se como um gênio maior da sétima arte.

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