terça-feira, 7 de julho de 2009

Eu Sei o Que Acabou

"And now I understand what you tried to say to me
How you suffered for your sanity
How you tried to set them free
They would not listen, they did not know how
Perhaps they'll listen now

For they could not love you
But still your love was true

And when no hope was left in sight on that starry
starry night
You went away
As lovers often go

But I could have told you, Michael
This world was never meant for one
As beautiful as you..."

“Vincent”, Don McLean (parafraseada)


Talvez as palavras de Tyrone Power ao descobrir seu câncer terminal em The Eddy Duchin Story fossem as que ecoassem com mais destreza em minha letargia. Por que destruir um homem duas vezes? Justo quando ele encontra... tudo o que queria! Quando fica bom demais, eles tiram tudo de você. Eu não quero morrer!

Ele estava morto. Me and Janet really are two different people. I love you more! You ain't seen nothin' yet. And every opportunity the media has dissected and manipulated these allegations to reach their own conclusion. You haven't been where I've been mentally. Tell her to go to hell. Tom Sneddon is a cold man. You wouldn't believe the amount of mail that I get! I'll kill you, Mac! Neverland is not a home anymore. With a child's heart nothing's gonna get me down. Sorry Joseph, please don't be mad at me! I'm starting with the man in the mirror. I don't sing it if I don't mean it. Morto! E não há modo de conceber uma idéia tão absurda, tão resolutamente improvável... o meu Michael morreu!

E quem não viveu esta história na pele, como eu vivi, nunca vai entender em essência o que significa a frase supracitada. Se é que se entende sem conhecimento de causa os 12 suicídios já registrados. Agora, o mundo se regozija na celebração hipócrita àquele que desumanizaram, que coisificaram à condição de ícone-piada mundial para suas gargalhadas malditas e desgraçadas. Agora, todo mundo chora, todo mundo canta e milhões de discos/downloads são vendidos em um raio de segundo. Agora, de repente, virou cool ser fã de Michael Jackson e lamentar a morte do “ídolo”. Engraçado, eu lembro quando, até duas semanas atrás, ser fã de Michael Jackson era motivo de piada... e há muito tempo! Eu lembro das gozações no primário que freqüentemente me levavam a diretoria; pior, eu lembro no colegial, quando fui "eleito" à condição de "celebridade" por ser o freak que gostava de Michael Jackson! Eu lembro da caça às bruxas da mídia durante o julgamento, das informações absurdamente distorcidas, dos telejornais inteiramente dedicados à promotoria. Eu lembro do presidente da CNN chamando o veredicto de "tedioso"; eu lembro do rosto de Michael ao entrar na Corte no último dia... eu lembro de como destruíram a moral de um homem inocente perante a opinião pública. Eu lembro de como destruíram o espírito de um homem e riram sobre isso.

Foi mais do que um médico inescrupuloso e desgraçado que te levou à morte, Michael. O mundo te matou. Sua morte começou no dia em que viram no seu talento uma mina de ouro - daquele dia em diante você deveria viver para brilhar e brilhar, não importando a que dor, a que perda custasse. Sua capacidade de amar, no entanto, sempre foi maior, sempre esteve acima da enorme dor de viver. O seu coração podia abrigar o mundo e salvar as crianças era a sua missão, como vemos nas historinhas que só nós, fãs que o acompanhamos, conhecemos. Das crianças com doenças terminais que você ajudou, das famílias vítimas da enchente na Europa que você convidou para morarem em Neverland, dos mais de 300 milhões de dólares que você doou para instituições de caridade sem nunca ter divulgado press release algum a respeito, como fazem a maioria das celebridades. Mas como a história prova, nenhuma grande alma vive em paz nesta Terra.

Igual ao seu coração, era sua enorme fidelidade ao próprio espírito, à sua concepção idealista de viver. Mas era tanto poder para um negro norte-americano, amado pelos quatro cantos do planeta, com sucesso após sucesso, recorde atrás de recorde, que a América racista começava a se enfurecer. Que ano foi 1993 para os tablóides! Quantas carreiras foram construídas em cima do seu sangue, em cima dos painkillers que você tomava para ser catapultado ao palco da Dangerous Tour. Que importa se foram gravadas as conversas que revelavam a extorsão a qual você foi vitimado? Que importa se um caso criminal foi concluído após dois grandes júris por falta de provas? Que importa se o tão falado acordo de 1993 foi revelado há anos e está na internet para qualquer João da vida baixar, afirmando que o mesmo foi realizado pela seguradora sob os seus protestos, por uma acusação de negligência e não abuso sexual? Que importa se em Money você canta "Insurance, where does your loyalty lies?", anos antes de tais documentos virem a público? Nada importa, Michael. Por toda a eternidade, as Vejas da vida, tablóides travestidos, vão publicar a mesma mentira patética para quem quiser vomitar desinformação adquirida na sala de espera do consultório médico e julgar-se erudito no assunto.

Se uma mentira é contada com muita frequência, as pessoas começam a acreditar. Você já pronunciava sua própria sina em 93, Michael. O quão sábio você foi em vida! Talvez você já soubesse como a história terminaria mas você não mudaria, porque sabia que uma vida sem coragem era igualmente sem valor. Ninguém vai me impedir de ser quem eu sou, tu disseste certa vez. Seria mera coincidência a frase que encerra o álbum Invincible? O que você acabou de presenciar poderia ser o fim de um pesadelo particularmente aterrorizante. Não é! É apenas o começo.

10 anos depois, o mesmo cenário se materializa. Um julgamento-piada para quem quer que tenha lido tudo o que importava no caso: as transcrições da Corte. Para a mídia, o espetáculo do século, para a América, a chance de finalmente enterrar Michael Jackson, o superstar negro e seu legado. Diane Dimond, Larry Feldman, Gavin Arvizo, Maureen Orth, Tom Sneddon, Tommy Mottola... ATV. A que importava a verdade ao mundo, não é mesmo, Gary Dunlap? Mais perversamente divertido era sentar no sofá de casa, vendo as "bizarrices" de Michael Jackson na TV e dar risada do pedófilo, como se houvesse alguma coisa de engraçado em pedofilia, suas vítimas e seus agressores.


O seu coração tinha de parar porque ninguém agüenta tanta injustiça, tanto desamor. Você se foi por cima do jogo, morreu como o guerreiro que sempre foi em vida. Deu ainda um tapa final na cara do mundo todo, dando um gostinho de retorno para deixar suas performances apenas na nossa memória. Bem feito. O mundo não te merecia.

Quem sabe agora o que se passa na cabeça e nos corações dos anjinhos Prince, Paris e Blanket, as verdadeiras vítimas de sua morte? Como entenderão eles que o papai não volta mais? Eu não sei o que eles pensarão do mundo fora da Neverland de amor que o pai criou para eles. Eu sinto imensamente por eles e por uma dor que é imensurável. Eu sei o que penso de um mundo sem Michael Jackson e não gosto nenhum pouco disso. Não tem muito sentido nisso. E eu, que era tão sabichão, achava que entendia Morrissey. Agora eu entendo. Agora, a cada minuto da minha vida, eu sinto o chão cair sobre a minha cabeça.

3 comentários:

Unknown disse...

Querido, de tudo que foi dito sobre a morte do Michael, foi vc quem realmente captou o sentido disso tudo, ou melhor a falta de sentido desse nada que restou.
beijos

Unknown disse...

Bruno...
Texto maravilhoso. Obrigada por compartilhar. A cada linha, sinto o mesmo... o mesmo amor, a mesma indignação.
A dor não passa. O nó na garganta não desaparece.
Acho que Deus estava precisando dele por lá.

Bruno Vilângelo disse...

Obrigado Andréa e Mone. Está difícil mesmo...