sábado, 17 de janeiro de 2009

Shoebox

"Quando eu falava dessas cores mórbidas
Quando eu falava desses homens sórdidos
Quando eu falava desse temporal
Você não escutou...

Você não quer acreditar
Mas isso é tão normal.."

'Paisagem da Janela', Lô Borges


Que fazem conosco? Nós, os dean-cliftianos do século XXI. Nós, os Michael Jacksons, os Peter Pans privados de Terra do Nunca sem granadas e homens-bombas. Nós, os mártires de apartamento, cerrados em blocos de concreto neste verão interminável-irremediável de cidade do litoral. O fardo da cruz da excepcionalidade! Inestimável tolice aquela minha, de guardar os olhos limpos e as mãos quentes, o sorriso afável. Lô me faz lembrar, em dois minutos e cinquenta e cinco segundos, tudo o que esqueci tão facilmente, ocupado com a amabilidade enorme deste coração. Tinha esquecido das cores mórbidas, dos homens sórdidos. Não via os temporais e tampouco escutava os trovões. Que torpor existencial poderia ter sido este, que me fez contemplar a blueness de viver com tanta inconsciência? Por quanto tempo estive dormindo? Que complacente sonho este, que remove o mal dos outros, mas o deixa permanecer em mim. Ouço ainda a voz de Lô, meio zombando, meio cara-que-dá-a-mão-pra-essa-gente-confusa, dizendo que não quero acreditar, embora seja tão normal. Quanta traição nestas doces palavras! Como de joelhos no asfalto, diante das árvores, da terra, dos pássaros, do Sol, das nuvens, do céu, do Todo-Poderoso proclamo: que possível culpa tenho eu? Mas Ele, seja lá onde esteja, não responde, e resta a mim viver aqui, neste quartinho com as minhas coisas, com o turbilhão de palavras malditas que não me esquecem e com esta culpa, minha tão grande culpa, que vem por culpa minha não ser, mas que nem logicamente deixa de ser culpa. Tomo as palavras de Lô como minhas. Parecem escritas sob medida para fortalecerem meu corpo desgastado, ajudam-me a afiar as unhas e os dentes. Acordam-me daquele sono hedônico e babaca, daquele marasmo que já vivi e que nunca poderia constituir resquício de felicidade. Não há felicidade na obediência aos homens sórdidos. A sordidez da perpetuação do “ser” ínfimo, àqueles que querem reduzir toda essa nossa beleza, toda essa nossa cara-de-pau de ser feliz a uma mera shoebox vazia. Sim, querem nos trancar em um papelão e que nos contentemos com tal medíocre destino! E enquanto a cólera e o escárnio do meu riso tão upminded me alegra, não sei até que ponto os homens sórdidos triunfam, apesar de todos esses nossos esforços em conservar-nos íntegros em nossa singularidade. Quanto a mim, não sei e não gosto de pensar em possível derrota. Se pensar e encontrar em mim este vão de maledicência o qual tanto abomino, corro o risco de surtar precocemente – entendam, ainda não sou mega-artista para projetar minha dor ao mundo, à lá Judy Garland, que será compartilhada e martirizada entre tantos outros corações iguais a este que bate agora. Mas o que sei é que em mim restou essa grande saudade latente. Esta saudade meio technicolor de querer ser feliz. Mas não tenho mais cinco anos. E não ter mais cinco anos pode ser a coisa mais triste do mundo e te transformar no cara mais trágico de toda a história, se há a possibilidade de, com tudo e apesar de tudo, você acabar em uma shoebox. E como sair? Como rebelar-se das amarras do mundo pra ser céu e terra, um espírito livre? Quem sou eu para dizer? Graças a seja lá quem ou quê, não fui dotado com os talentos duvidosos dos escritores de auto-ajuda. Posso dizer que estou no mesmo barco que você e que estamos aí, respirando a cada dia que termina e que começa, lutando. E acreditando nessa loucura mítica, no pote de ouro além do arco-íris que chamam de felicidade. E ficando longe dos tarjas pretas, como não fez Marilyn Monroe.

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