domingo, 1 de março de 2009

As Máscaras de Dietrich

Enfim termina minha jornada Dietrichiana pelas 800 páginas da biografia de Maria Riva. Segundo ela, filha do mito, a mãe era controladora, egoísta, possessiva e neurótica. Claro que, à moda Christina Crawford, os relatos post mortem sobre abusos emocionais de divas do cinema tornam-se previsíveis, mas difícil é simpatizar-se com Riva que posa de vítima desde o dia que nasceu. Chega até a reclamar de quando, em tempos da tragédia de Lindbergh, ainda criança, era permitida sair de casa apenas com um guarda-costas, graças às cartas com ameaças de morte a ela que a mãe recebeu. Quando ela nos conta então, corriqueiramente, que seu apartamento em Nova York foi comprado pela mãe, e não pelo marido, fica difícil não notar a óbvia traição do relato parcial.

Mas interessante se torna a leitura de uma Marlene Dietrich supostamente decodificada, mas nunca decifrada. Não, Maria Riva não se arrisca em explicações ao comportamento da mãe, uma mulher que, segundo o relato, fazia jus à sua canção-tema Falling In Love Again. Um mito singular e contraditório, transgressora e, aparentemente, racista e machista; uma das almas da Hollywood dos anos 30, império do glamour, mas grande amiga de Hemingway; uma beleza inexplicável que permanecia extasiante ainda aos 70 anos; um ícone da Segunda Guerra Mundial, a mulher que dá as costas ao pedido de Hitler de ser o símbolo do terceiro Reich, que segue as tropas americanas entretendo soldados por toda a Europa. Esta Dietrich também é contada no documentário de Maximilian Schell, Marlene.

E a Marlene Dietrich de Schell é em muitos aspectos a Marlene Dietrich de Riva. Neste documentário de 1984, Maximilian Schell procurava explorar áreas da vida pessoal e carreira da atriz. Marlene, com mais de 80 anos, não coopera com grande fervor. Ranzinza em muitos momentos, ela recusa-se a ser fotografada para o filme, uma óbvia auto-proteção da lenda que criou de si mesma. Afinal, depois de sua última aparição nos cinemas, em 1978, Dietrich nunca mais deu as caras em público. O que assistimos são fotos e imagens de arquivo e dos filmes da atriz, e ao fundo, o som das fitas gravadas da conversa entre diretor e atriz. Protegendo sua própria mítica, ela entra em contradição ao dizer-se desinteressada nos seus filmes do passado e que nunca levou sua carreira a sério. Fala firme e fria, repudiando qualquer aspecto sentimentalista levantado por Schell, tachando-o kitsch e dizendo que é uma "filha de soldado". Quando ele finalmente convence Marlene a assistir cenas antigas de seus filmes para comentá-los, um membro do staff da atriz lhe entrega a seguinte citação de Dante Alighiere: "Não existe maior dor do que as lembranças de felicidades passadas em tempos de miséria".

Inexplicavelmente, Dietrich nega ter tido uma irmã com quem manteve contato por toda a vida, segundo o livro de Riva. E numa das partes mais chocantes, assume tom fortemente preconceituoso contra o Women's Lib, argumentando que, segundo experimentos, o cérebro feminino é "mais leve" do que o cérebro masculino. Certamente, a Dietrich de 80 e poucos anos estava longe daquela que fascinou Hollywood com seu beijo lésbico de Marrocos, em 1930.

Perto do final, as coisas esquentam e Schell decide abandonar o projeto. Uma Dietrich nervosa pragueja: Ninguém nunca me abandonou desta forma antes! Você será o primeiro e o último, tenha certeza! Uma montagem de vídeos da atriz, acelerados, permeia a sequência, como se buscando decifrar o enigma da lenda que atravessou décadas - a resposta pretendida inicialmente no documentário, mas negada pela perspicácia da senhora octogenária que pretende permanecer como mito. Mas na última cena, a fortaleza rui. Schell lê um poema favorito da mãe de Dietrich, sobre morte, amor e arrependimento. As lágrimas são audíveis e a máscara rígida cai. Schell, afinal, nos confunde por não ter revelado em seus 90 minutos quem era a verdadeira Marlene Dietrich. E na dor contida nestas lágrimas, resta-nos apenas a especulação sobre a humanidade velada no mito, a humanidade escondida e maquiada de Dietrich que nós nunca conhecemos.

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